tag:blogger.com,1999:blog-45025797877964594012024-02-19T01:07:39.964-03:00Isso que eu faleiUlisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.comBlogger176125tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-68318879218416869792017-06-12T21:40:00.002-03:002017-06-12T21:43:27.389-03:00Conta<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIz1FrY4_Idtu4l6VeLMRkInUb7VQtOLCvs3vlhDFTrtpD8l8fea3kRKwEhjRbOXAskebexxl9AbDH2NqmBlxb8r4Gvr8BhBZ_Kn6-NN-SaYPIMsneQtWqupp4UxZjUjNgJy1vOCqI-zg/s1600/M%25C3%25A3os.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="333" data-original-width="500" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIz1FrY4_Idtu4l6VeLMRkInUb7VQtOLCvs3vlhDFTrtpD8l8fea3kRKwEhjRbOXAskebexxl9AbDH2NqmBlxb8r4Gvr8BhBZ_Kn6-NN-SaYPIMsneQtWqupp4UxZjUjNgJy1vOCqI-zg/s320/M%25C3%25A3os.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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No caminho, feito a passos lentos e conversa boa, uma fábrica cinza e feia destoava da paisagem e uma fumaça escura escapava e sujava um pedaço do céu sem nuvens. Pausa.</div>
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<br /></div>
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- Eu já te contei que aqui era uma escola? Minha primeira escola. Tinha um pátio grande, com azulejos vermelhos, e daquele lado, lá no fundo, ficava um parquinho, velho. Aprendi muita coisa nesse lugar, viu? Ah, que tempo! Fui muito feliz aqui dentro. Muitos anos. Meus primeiros amigos todos são dessa época. </div>
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<br /></div>
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- É?</div>
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<br /></div>
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- Eu já te contei que eu tinha uma colega, vou te confessar, que era a coisa mais linda? Meu coração quase pulava pela boca quando ela chegava perto, eu tremia todo por dentro. Que menina linda, diferente de todas! </div>
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<br /></div>
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- Umm.</div>
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<br /></div>
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- Já te falei do sorrisão dela? Do tamanho do mundo. E um jeitinho de falar, tão doce. Quando ela chegava perto de mim, aquele cabelão com as pontinhas claras amarrado num rabo-de-cavalo, parecia que o tempo parava. Falava muito, sobre tudo, parecia que já conhecia o mundo.</div>
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<br /></div>
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- Sei como é.</div>
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<br /></div>
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- Te contei que foi com ela meu primeiro beijo? Foi, depois de um ensaio de quadrilha. Perto daquele portão marrom tinha um chafariz, foi atrás dele. Que dia, meu amigo! Eu me lembro até hoje do barulhinho da água, que nem cachoeira, do nosso lado.</div>
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<br /></div>
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- Massa.</div>
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<br /></div>
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- Já te falei que ela foi minha namorada? A primeira. Eu tinha certeza que seria a única. Jurava. Tem muito tempo, mas foi uma época legal, a gente se dava super bem. De andar à toa, de mãos dadas na volta pra casa sem pressa, as festinhas, na biblioteca. Minha amigona mesmo. Ela viajava de férias pra praia e trazia umas conchinhas pra mim, essas coisas. Eu me lembro até de um banquinho branco, meio descascado, onde a gente se sentava pra conversar quando a gente brigava. A carinha dela de brava. Mas era coisa de dois minutos e tava tudo bem de novo, você tinha que ver!</div>
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<br /></div>
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- É.</div>
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<br /></div>
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- Eu já te falei o tanto que eu gostei dessa menina? Era muito! Doido isso, né? A gente era tão novo. E tanto tempo depois eu tô aqui falando disso, em frente a uma fábrica. A vida passou, depois cada um seguiu seu rumo, perdemos contato. Nunca mais tive notícias. Eu conheci muita gente, me casei, fiz família, fui feliz. Mas tá aí: já te contei que foi com aquela mulher que eu descobri o que é gostar de alguém de verdade?</div>
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<br /></div>
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- Já contou sim, vô. Aliás, conta sempre que a gente passa por aqui.</div>
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<br /></div>
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Um suspiro longo, um sorriso simpático entre bochechas rosas cheias de marcas e dois olhos que olhavam uma coisa, mas viam outra. Fixos em outro tempo.</div>
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<br /></div>
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- É, eu sei. Gosto dessa história.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-86863308124510728672016-05-15T08:00:00.000-03:002016-05-15T08:00:20.880-03:0010, 20, 30 anos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO2wibUeiaXspkJW8hn1SwohGZuZqyBgVetEyVyqRc1hZnMcPYfCUlhnzLUetnWPtHWGNmOGQO29g_0YygwV3BhLLuoIKDU1ap9aV60hY6qufJuLXW7hWL5G2Q2BZh6JKcdLrpiL93Y8Q/s1600/Xavier.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="165" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgO2wibUeiaXspkJW8hn1SwohGZuZqyBgVetEyVyqRc1hZnMcPYfCUlhnzLUetnWPtHWGNmOGQO29g_0YygwV3BhLLuoIKDU1ap9aV60hY6qufJuLXW7hWL5G2Q2BZh6JKcdLrpiL93Y8Q/s320/Xavier.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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Fim de tarde quente, uma mesa de bar de um calçadão qualquer. Três cadeiras e à frente delas um suco de laranja, uma garrafa de Brahma gelada e uma dose de Jack Daniel’s. Três caras ansiosos pelo papo: uma criança de cabelos lisos, um jovem magrelo com cavanhaque à la Salsicha, do Scooby Doo, e um adulto barbudo se viam frente a frente pela primeira vez naquele dia que era, ao mesmo tempo, 15 de maio de 1996, de 2006 e 2016.</div>
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<br /></div>
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O mais velho fitava os outros dois com sorriso saudoso, tinha se tornado expert em guardar lembranças. Os olhos do mais novo eram curiosidade pura, queria saber mil coisas, não sabia nem por onde começar. O outro era o mais confiante, deu o primeiro gole e começou a falar. Tinham 10, 20 e 30 anos.</div>
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<br /></div>
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Apresentaram-se, como se precisasse. O garoto tinha saído do estado natal há um ano. Mal sabia que voltaria em breve, sairia mais pra frente e voltaria outra vez pra deixar sua terra em definitivo mais tarde. O de 20 anos gozava essa fase da vida com tudo que tinha direito. O de barba vivia as consequências de ter trocado muita coisa pela carreira profissional.</div>
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<br /></div>
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O Ulisses mais novo queria saber o que o esperava, onde estaria, no que se formaria e como ganharia a vida. E se surpreendeu bastante com a resposta, que não tinha nada a ver com a Veterinária. O Ulisses jovem queria saber se aquela história de Jornalismo era mesmo a melhor decisão. Ainda não tinha entendido exatamente de onde tinha vindo essa ideia. O Ulisses mais velho observava, talvez as dúvidas deles ainda fossem as suas.</div>
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<br /></div>
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Puxaram um assunto comum: futebol. Era visível a empolgação do mais novo com o time, paixão que descobrira há pouco tempo. O barbudo saboreou o uísque e garantiu a ele que a euforia ainda aumentaria e não passaria jamais, mas, com o tempo, ele aprenderia a contê-la. Um deles idolatrava o Marcelinho, o outro era fã do Tévez e o terceiro tinha, além destes, uma legião de nomes como seus heróis. A Libertadores viria, era questão de tempo, adiantou.</div>
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<br /></div>
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A criança perguntou quando teria um cachorro. O jovem respondeu, falou da cocker e do poodle, e acrescentou sobre sua criação de roedores. O adulto os surpreendeu quando contou da calopsita. Aquela realidade paralela parecia convergir décadas só para provar que as coisas não mudam tanto assim.</div>
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<br /></div>
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O do cavanhaque se gabou contando as aventuras universitárias. Sua cerveja já estava no fim, pediu outra. Revelou acreditar que estava no auge da boa vida e que nunca mais seria tão feliz ou encontraria um grupo de parceiros como o que tinha. O mais velho concordou, sem hesitação. Que bom que ele era feliz e sabia.</div>
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<br /></div>
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Pensou em adiantar que o jovem não se casaria com a namorada, como afirmava há pouco. Nem com a próxima ou com a seguinte, mas que ele se daria bem com isso. No entanto, não achou justo. Era melhor que ele vivesse suas próprias experiências, se desapontasse quando fosse o caso, mas que se encantasse com tanta gente bacana que ainda cruzaria seu caminho por esse mundão.</div>
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<br /></div>
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O barbudo mostrou a tatuagem e o mais novo achou demais. Não imaginava que um dia teria essa coragem. O mais velho contou das viagens e da coleção de experiências por aí. Os outros se interessaram, ainda não sabiam que guardavam dentro deles uma veia de explorador do planeta. Era impossível explicar a eles o que se sente num por do sol no deserto de Uyuni, no mar de Cancun, nas ladeiras de Diamantina, embaixo da Torre Eiffel, em frente às Cataratas, nas ruas de Amsterdã, numa lagoa em Jericoacoara ou na montanha em Machu Picchu. Chegaria a vez deles, felizmente. O jovem se animou.</div>
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<br /></div>
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Um único conselho aos mais novos: que aproveitassem melhor o convívio com os pais e os irmãos. Um dia isso faria muita falta.</div>
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<br /></div>
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O papo fluía e os três concordavam: no fundo, eram mesmo exatamente iguais. A confirmação da tese veio quando o Ulisses de 30 anos confessou que ainda não tinha assistido nada que o encantasse mais que O Rei Leão e contou do boneco do Donkey Kong na estante da sala do apartamento. </div>
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<br /></div>
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Talvez não fosse só naquele devaneio que o tempo não passava. E talvez lá dentro eles sempre se orgulhassem uns dos outros.</div>
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<br /></div>
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Ergueram um brinde. O jovem arriscou um gole do uísque para acompanhar. Achou horrível, aquilo ainda não era para ele.</div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
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Na mesa ao lado, um jovem senhor de cabelos quase grisalhos e manchas brancas na barba bebia água de coco e ouvia a conversa com particular interesse. Seu calendário marcava 15 de maio de 2026. Também achava O Rei Leão insuperável.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-67945219334098852652015-11-05T20:30:00.000-02:002015-11-05T20:35:32.614-02:0030, solteiro, feliz<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKZLpW57fQo2Niy54RM1WjzkSS0pD8aIkdCRcVDbasNh01JYH-PnUZCzG8EM-5b-XsQfzjawVvGqwmWcw3iSco7Ja5-xCkYcjveS_vMoxmhpG9NgvbL8piue_VzfC0ZmpyyEZAX0YwA0Y/s1600/felicidade.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgKZLpW57fQo2Niy54RM1WjzkSS0pD8aIkdCRcVDbasNh01JYH-PnUZCzG8EM-5b-XsQfzjawVvGqwmWcw3iSco7Ja5-xCkYcjveS_vMoxmhpG9NgvbL8piue_VzfC0ZmpyyEZAX0YwA0Y/s320/felicidade.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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São 30 anos de vida, talvez mais ou menos do que isso. Seguramente, parte desse tempo ao lado de outras pessoas, como casais. Daqueles de passeios de mãos dadas, presentes, alianças. Alguns namoros longos e outros tantos casinhos que prometeram, mas não deram em nada. Essa é a história de muitas pessoas dessa idade que hoje estão solteiras. E, acredite, felizes.</div>
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<br /></div>
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O cara e a mulher de 30 anos já tiveram certeza de que tinham encontrado seu grande e eterno amor. Certeza absoluta. Mais de uma vez até. Já sofreram o fim de um relacionamento, choraram e acharam que nunca mais sairiam daquela fossa. Mas saíram e tocaram a vida. E aprenderam, mesmo que na marra, a se darem bem consigo mesmos.</div>
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<br /></div>
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A pessoa dessa idade já viu grandes amigos se casarem. E se dá muito bem com eles. Foi padrinho ou madrinha de alguns, inclusive. E não acha que tem uma vida melhor ou pior do que a deles – são coisas diferentes, cada um na sua. Eles se divertem planejando programas de casais e o futuro dos filhinhos, que já começaram a nascer. Os trintões aproveitam sua total liberdade, como bem querem.</div>
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<br /></div>
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Essa pode ser a palavra que melhor defina a chegada aos 30 “solitária”: liberdade. A pessoa de 30 anos não precisa deixar de fazer nada para não desagradar ninguém. Já fez isso em outros tempos. Agora, está bem grandinha para saber o que quer da vida e pode, por exemplo, definir hoje sua próxima viagem de férias sem se preocupar se um cônjuge prefere visitar a família no interior, descansar uns dias numa praia paradisíaca ou se aventurar numa trilha pela Amazônia, nem se o outro ficaria mais feliz em nem sair da cidade para trocar de carro. Pode pedir demissão, usar as roupas que lhe convém, se rabiscar de tatuagens, comprar um cachorrinho, pode tudo. Tudo seguindo exclusivamente a sua própria vontade. Ah, e isso é bom! Como é bom!</div>
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<br /></div>
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Claro, ser casado ou estar com alguém tem sim suas muitas vantagens. Jamais alguém negaria isso. Mas a luz aqui está em um lado negligenciado da história. Esquecido, principalmente pelas mães dos solteiros, ansiosas pelos netos, caso eles ainda não tenham aparecido vindos de relacionamentos anteriores. Melhor avisá-las de que elas ainda vão esperar mais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Talvez o melhor de tudo de ser uma pessoa madura solteira é justamente que essa situação não é uma convicção, é uma consequência. Poucos fazem questão de permanecer assim. Também não fazem de mudar. É só que eles não querem mais qualquer um em suas vidas. Para estar ao lado e dividir a rotina tem que ser alguém especial, bacana, parceiro. Alguém que some de verdade. Senão, que as coisas fiquem como estão, elas vão muito bem. A pessoa de 30 anos já teve relacionamentos sérios e sabe exatamente o tipo de cônjuge de que ela não precisa.</div>
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<br /></div>
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Ela vê, quieta, amigos que ostentam casamentos ou longos namoros infelizes e falsos. Provavelmente, não é o caso da maioria, mas existem tantos que fingem uma felicidade irreal. Que queriam muito, mas se frustram por não poderem sair com os amigos sem rumo por aí porque o outro não vai gostar. E, agora, para evitar problemas, a vontade desse outro vem antes da dele, infelizmente. Ou, o que é bem comum, amigos que esperam a mínima brecha para fugir e agir como solteiros, serem livres por alguns poucos instantes proibidos. Esse tipo de relacionamento, essa vida dúbia, não convence mais um adulto solteiro. Na verdade, já faltaria paciência pra isso.</div>
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<br /></div>
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O solteiro ou solteira de 30 anos, ou 25 ou 40 ou qualquer outra idade, é livre para se apaixonar sempre que acontecer sem peso na consciência. Pode dormir com quem quiser. Pode dormir com muitos ou com ninguém, a escolha é dele. Pode respirar ares de juventude e ir outra vez a uma micareta. Ou pode sair para conhecer gente nova num barzinho de MPB. Pode ter amores espalhados por todos os cantos, pode voltar de cada viagem que faz com uma nova paixão, pode passar um feriado com um affair que mora longe no maior love do mundo. Sem ser injusto com ninguém, principalmente com ele mesmo. Ele é o dono dos próprios pensamentos.</div>
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<br /></div>
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Pra completar, essa pessoa pode, a qualquer momento, conhecer alguém que, sem esforço, a convença a abrir a porta da sua casa e da sua vida para ela. Mas ela não tem pressa disso. O cara de 30 não procura mais uma donzela. Se for para estar junto dele, que seja uma mulher de verdade, com cabeça, com histórias pra contar. A mulher de 30 não quer mais um príncipe encantado. Muito menos ser a princesa de ninguém. A palavra-chave passa a ser parceria, sintonia. Ou autossuficiência.</div>
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A pessoa de 30 não faz questão de chegar aos 31 solteira. Nem acompanhada. Ela deixa acontecer. O que ela quer mesmo é acordar amanhã feliz, leve e com a certeza de que tem ao lado quem lhe faz bem – seus companheiros solteiros, seus casais de amigos, a família ou, quem sabe, um novo casinho que é justamente quem vai ficar de vez na sua vida. E se esse affair não der certo, está de boa também. Paz e amor. Próprios.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-80531970090987308982015-10-28T09:26:00.004-02:002015-10-28T09:34:11.032-02:00Vocês eram inseparáveis<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiIWwarhHK-Kaw1DjkwtozzImJQT2IMEsP2rwf1g2b-RqJH7ej5uIuUUUju7xgTZAf4EJNc6As-yBoo7kudXaYKjlautb5FNV4xlXLN_z3xnL_sZkodeQ7UKHOH3Ezv2LNwk5UVNJUq9xE/s1600/landing-bg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="176" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiIWwarhHK-Kaw1DjkwtozzImJQT2IMEsP2rwf1g2b-RqJH7ej5uIuUUUju7xgTZAf4EJNc6As-yBoo7kudXaYKjlautb5FNV4xlXLN_z3xnL_sZkodeQ7UKHOH3Ezv2LNwk5UVNJUq9xE/s320/landing-bg.jpg" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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Vocês eram inseparáveis.</div>
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<br /></div>
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Tinham se conhecido há pouco tempo e já eram unha e carne. Era até raro ver um longe dos outros. Naquela fase de início de faculdade, auge da juventude, últimas descobertas do mundo real e começo da vida adulta de verdade, vocês formaram uma grande e natural família. Vocês estudavam juntos, geralmente almoçavam juntos, talvez tenham morado juntos. E vocês se divertiam juntos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Vocês cuidavam uns dos outros quando era preciso. Vocês se preocupavam, se davam remédios, puxões de orelhas, carinhos e conselhos, do alto dos seus 18 anos de inexperiência de vida. Colocavam o nome no trabalho em grupo quando o outro não podia contribuir, ensinavam aos amigos aquela matéria chata que a maioria não tinha entendido. Uma turma grande, de jovens homens e mulheres que rapidinho aprenderam a se amar.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Iam às mesmas festas e colecionavam histórias. Das mais malucas. Aprenderam a beber juntos, depois de algumas tentativas malsucedidas, diga-se de passagem. Um foi a memória do outro no dia seguinte àquela madrugada histórica de balada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vocês tinham muitas afinidades. Mas eram diferentes, claro, e isso foi se tornando cada vez mais evidente com o passar dos anos. Só que em nada interferiu na amizade de vocês - muito pelo contrário, vocês tinham tanta coisa em comum que, mesmo depois de conhecerem mil outras pessoas, se mantiveram por perto uns dos outros.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Foram anos assim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Aí vocês se formaram. Tiveram o melhor baile do mundo e cada um foi seguir sua vida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Um arrumou um emprego em pouco tempo, outros demoraram mais. Um voltou pra cidade dos pais, outro foi tentar a vida na capital, mais um foi estudar outro curso. E vocês se viram longe uns dos outros. Fisicamente muito longe.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda existia a comunidade da turma no Orkut, depois um grupo no Face e de uns tempos pra cá vocês se falam pelo Whatsapp. É o que dá no dia a dia. E ali, naquele mundinho particular, vocês ainda são os mesmos de sempre.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguns passaram em concursos públicos e foram morar longe, uns desistiram daquela carreira e outros se casaram – quem diria! Vocês compartilharam as primeiras frustrações profissionais e comemoraram juntos os primeiros sucessos. Mas vocês não estão mais na rotina uns dos outros. Não tem mais aula, não tem biblioteca, restaurante, filminho com pipoca, almoço no fim de semana na casa de alguém, muito menos festa juntos. Só a saudade da melhor fase da vida. De quando vocês eram felizes e sabiam.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas tem reencontros. Sempre que dá. Dá pouco, a vida adulta é cruel, mas às vezes dá. Uma viagenzinha juntos para qualquer canto lava a alma e faz vocês voltarem no tempo. Não importa se vocês não aguentam mais tanta farra, se já estão bem mais gordinhos e cheios de cabelos brancos (a cada dia com menos cabelos e já apareceram umas ruguinhas). Juntos, vocês ainda são aqueles mesmos jovens, bobos, puros, divertidos. Agora, ao lado uns dos outros vocês passam o dia relembrando velhas e boas histórias desses longos anos de amizade enquanto constroem as novas, meio sem perceber.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vocês têm o que a vida oferece de mais precioso: boas pessoas pelo caminho.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Vocês eram inseparáveis. E vão continuar sendo, pra sempre. Insuperáveis.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQVBa4qwb7vw3UFdzM0OoM0s0BODYWCawAaxO96lPa5tcTp0AM9cd5Wd3WBG7-ykZcOFFTCFygESOth3LBp4baVYjzsBrWxd0fqtoqv78CL1WcIVXWYSNicbd6VDYHu9ROGhqs_PyS8gU/s1600/DSC00054.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQVBa4qwb7vw3UFdzM0OoM0s0BODYWCawAaxO96lPa5tcTp0AM9cd5Wd3WBG7-ykZcOFFTCFygESOth3LBp4baVYjzsBrWxd0fqtoqv78CL1WcIVXWYSNicbd6VDYHu9ROGhqs_PyS8gU/s320/DSC00054.JPG" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<i>Viçosa, Minas Gerais, janeiro de 2008</i></div>
<div style="text-align: center;">
<i><br /></i></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEieOLPbab7m_Ls85g8-1JkEzNf1GjvX3hmodMqNIQ3CtiDlH4Sw1t4z70XU_V4fxRzKMrbUToGh1DeRiR3H9ALr7wvS3vFdrdU_r3oMXPjBrBIISHIRgAorhyzSZ5KpMuP6Jl_3eukKY1k/s1600/12185270_931148080302204_8981209020002623506_o.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEieOLPbab7m_Ls85g8-1JkEzNf1GjvX3hmodMqNIQ3CtiDlH4Sw1t4z70XU_V4fxRzKMrbUToGh1DeRiR3H9ALr7wvS3vFdrdU_r3oMXPjBrBIISHIRgAorhyzSZ5KpMuP6Jl_3eukKY1k/s320/12185270_931148080302204_8981209020002623506_o.jpg" width="257" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<i>Canoa Quebrada, Ceará, outubro de 2015</i></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-20230305069976534912015-07-06T20:11:00.001-03:002015-07-06T21:34:52.188-03:00Adenor, o peixe campeão do mundo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLnrWFpzndL-l5Su9eBGP0Mojy8iItfyXYaEAX-DAB51-M05FGqdEmwP3ZR8MN32sAbsGJVRv3dTkQT6hlG2YLisdCny-oyZ6fihUi9mPDOLzn_eIa71WwFbDJQaZvma5L_oj57DR373w/s1600/beta.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="299" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLnrWFpzndL-l5Su9eBGP0Mojy8iItfyXYaEAX-DAB51-M05FGqdEmwP3ZR8MN32sAbsGJVRv3dTkQT6hlG2YLisdCny-oyZ6fihUi9mPDOLzn_eIa71WwFbDJQaZvma5L_oj57DR373w/s320/beta.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mudança de cidade, de estado, de ambiente de trabalho. Distância, muita distância da família e dos amigos. Era inevitável: o ritmo frio da metrópole (embora ela mesmo seja bastante quente) conseguiu me jogar pra baixo e eu me vi sozinho outra vez na vida, longe de tudo que eu gosto. Sozinho ao lado de milhões de pessoas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Se eu vim foi porque quis, a falta do “lá” faz parte do processo. E para tudo dá-se um jeito, sempre foi assim. Depois de um tempinho, resolvi acabar de vez com o problema da ausência de companhia. Pode até não ter sido a decisão mais esperada para um cara da minha idade. Mas foi consciente. Comprei um beta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O peixinho era bacana, engraçadinho, azul. Era legal ficar observando o movimento das barbatanas vermelhinhas dele. Chamei-o de Adenor, acho que combinou. Não quis espalhar, mas é uma homenagem ao <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Tite_(treinador_de_futebol)" target="_blank">último brasileiro campeão do mundo como treinador de futebol</a>. Pelo meu time, aliás. Quem sabe, o peixe seria um estágio para a compra do cachorro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu conversava com o Adenorzinho, o alimentava com umas bolinhas de ração. Viajava em ver o bicho mergulhar e subir de novo pra tomar um ar. Durante dias, fortalecemos nossa amizade, aos poucos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até que, numa horas dessas, reparei que um olho dele estava diferente. Na verdade, estava feio, esbugalhado, pra fora. De cortar o coração. Fiquei em choque. Pesquisei na internet: uma doença causada por bactéria. Começava de um lado, atacava o outro, o peixe deixava de comer, poderia inchar outras partes do corpo. Geralmente era fatal.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mas havia uma chance.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Existia um tratamento, o Google me contou. Um remédio, dissolvido na água, trocada por alguns dias, que, se usado no começo da enfermidade, poderia dar certo, embora as possibilidades de cura não fossem nada animadoras. Liguei para o pet shop onde eu o comprei, eles tinham o produto.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No outro dia, eu estava lá. Fiz um kit: um remédio que enfrentava bactéria e outro para fungo. Perguntei ao dono da loja se me daria um desconto, eu tinha comprado o bicho há poucos dias. Ele me fez uma contraproposta: eu levava o Adenor de volta e ele me dava outro peixe. Falou que se responsabilizaria pelo tratamento. Só que os remédios que eu estava levando eram mais caros do que o peixe tinha custado. Eu sabia bem qual seria o destino dele lá.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E agora? Eu entregaria meu amigo à própria sorte em troca de outro animal até então desconhecido pra mim? Eu havia procurado o Adenor justamente para sermos companhia um do outro. E é assim que as amizades são conduzidas? Se fosse uma pessoa, doente, eu a abandonaria, mesmo sabendo qual seria o seu fim?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Paguei pelos remédios, decidi tentar salvar <i>o meu peixe</i>. Corri pra casa para começar o tratamento. Enquanto houvesse chance, haveria esperança.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Precisava de um lugar maior para o período de quarentena, era necessário misturar os produtos em muitos litros de água para fazer as soluções que poderiam salvá-lo. Como eu não tinha, o peixe foi morar num cooler que geralmente conserva minhas cervejas geladas fora de casa. Segui as bulas e o Adenor, doente, estava mergulhado em uma estranha solução <i>azul Avatar</i>. Pedi a ele que confiasse em mim, nunca digo isso em vão. Enfrentaríamos essa juntos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os dias se passaram, a angústia persistia. Cada instante era importante na luta. Trocava a água diariamente, refazia as soluções. Devagar, o olho infectado ia melhorando. A esperança aumentava. O inchaço ocular do pequeno azulzinho diminuía. Acabava o prazo estipulado na bula. Adenor, o peixe campeão do mundo, estava, enfim, curado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Adenorzinho deixou o cooler, voltou ao seu aquário e está lá feliz, com os olhos e a vida nos seus devidos lugares. Nadando, todo serelepe, pra baixo e pra cima, ostentando a bela cauda avermelhada. Tem hora que parece dar cambalhotas. Valeu não termos desistido um do outro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Você venceu, amiguinho. Nós vencemos.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-26020400668776646062015-06-12T09:07:00.002-03:002015-06-12T09:09:13.273-03:00Expiatório<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW75k44Y38_bPQuO6pN25pNVwAGmW51RP3LbyrofXK1CsW6WLrcNEcdXUG88JptHkEXqRPS3X64mmjwLTlJqZVf48ljycFqVQ7-1juZianpykqbwuOILjQiHbhSzie3qjt8_PjoKf6vxk/s1600/prisioneiro.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="306" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW75k44Y38_bPQuO6pN25pNVwAGmW51RP3LbyrofXK1CsW6WLrcNEcdXUG88JptHkEXqRPS3X64mmjwLTlJqZVf48ljycFqVQ7-1juZianpykqbwuOILjQiHbhSzie3qjt8_PjoKf6vxk/s320/prisioneiro.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A sentença foi asperamente direta: prisão perpétua. Nunca mais veria a luz do Sol, condenado a passar o resto dos seus dias trancafiado naquele minúsculo espaço solitário. Pior, sem qualquer julgamento. Sua inocência, embora absolutamente presumível, sequer foi considerada. Muito menos o histórico de bons precedentes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As condições de sobrevivência se tornaram as piores possíveis. Escuridão, cheiro de mofo, chão duro. E a total ausência de qualquer contato externo, de afago, essa a mais triste consequência do cárcere decorrente de um crime que ele não cometera. Do céu ao inferno em instantes, sem chance de defesa, sem júri.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A primeira noite sozinho na masmorra foi péssima, a pior. Jogado, ainda não acreditava no que estava acontecendo, mesmo depois do estrondo das portas batidas, quando o silêncio absoluto ditava o ritmo seco da nova realidade. O clima quente e abafado compunha um cenário de total abandono. Talvez nunca mais tivesse contato com uma pessoa. E nunca mais sentisse um abraço. Não pôde perceber a claridade do raiar da manhã. E assim se passaram semanas. Meses. Os primeiros anos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os pelos da face gradativamente se coloriram de um cinza triste. Tornou-se a imagem do descuido e do desamparo. Condenado por um crime que ele não cometera, se lembrava cada vez menos dos dias bons, de risos e afeto. Das noites na cama de casal macia limpinha. Aos poucos, a memória começava a se apagar, consumida pela escuridão habitual do calabouço empoeirado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando a esperança já não fazia mais parte do seu vocabulário, anos depois da covarde sentença, foi surpreendido com uma fresta de luz. Os feixes de vida cresceram e iluminaram a sua solitária. As portas se abriram e todo o ambiente respirou ar puro. Outra vez, estava frente a frente com seu algoz, a pessoa que havia lhe imposto autoritariamente a pena perpétua.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O carrasco o fitou por instantes e o tomou pelos braços num gesto silencioso carregado de arrependimento. Ofereceu a ele um abraço de reconciliação e um tímido, mas sincero, sorriso de pedido de desculpas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele estava livre de novo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
De volta à mesma cama macia, preferiu esquecer-se dos infinitos dias em que cumpriu pena num canto do guarda-roupa, condenado ao esquecimento e culpado por ser um ursinho de pelúcia dado de presente de Dia dos Namorados em um relacionamento que terminou. Enfim, foi absolvido. Salvo pelos poderes do tempo.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-48926895283529799572015-01-30T16:36:00.001-02:002015-01-30T16:36:19.258-02:00Missão Sudeste concluída <i>Continuação de <a href="http://issoqueeufalei.blogspot.com.br/2013/01/missao-zona-da-mata-concluida.html" target="_blank">outra missão</a>, também finalizada com sucesso</i><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC2Bxn3ToeU3An-BMnWT2h96KQyr5qggKswtrTkjjC-x-Bg8RNGcCXt4aS8FScj-JNbBtySs2HOswHUi5Xxddz0rIS-2DFXKqzOTjjEMJhKBqmq1y88TPF9rdT0DyL2d151GvSgyfMAFY/s1600/Nordeste.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC2Bxn3ToeU3An-BMnWT2h96KQyr5qggKswtrTkjjC-x-Bg8RNGcCXt4aS8FScj-JNbBtySs2HOswHUi5Xxddz0rIS-2DFXKqzOTjjEMJhKBqmq1y88TPF9rdT0DyL2d151GvSgyfMAFY/s1600/Nordeste.jpg" height="257" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
Mudar de cidade nunca foi novidade pra mim. Chegar (e permanecer) perdido, procurar casa, fazer novos amigos. Conhecer a cultura, a comida, o sotaque e me confundir com os regionalismos. As mudanças começaram quando eu tinha um ano, pelo trabalho do pai, depois pela faculdade e as oportunidades profissionais. Eu tiro de letra. Afinal, já são dez experiências dessas na bagagem. Chegou a próxima, a primeira pra tão longe da família e da grande maioria dos amigos. Destino: Fortaleza.<br /><br />Exatamente quando completo dois anos de Montes Claros, deixo a cidade, e o meu estado, em busca de continuar construindo uma carreira bacana. Se a sede da empresa está lá, e nela as oportunidades, eu parto, sem medo. <br /><br />Sim, dá um friozinho na barriga. Sim, dá saudade da família e às vezes fica foda. Não, não me acho mais corajoso do que ninguém. Só acho que se a gente tem planos e acredita neles, é só correr atrás e fazer por onde que as coisas acontecem.<br /><br />Foram anos muito bons em Montes Claros. Convivi com colegas em um excelente ambiente de trabalho e aumentei minha coleção de grandes amigos. Valeu demais<i>!</i> Deixo aqui pessoas importantes e um pedacinho de mim nesse especial sertão mineiro.<br /><br />Hoje, sou eu o retirante. Que parto pra longe em busca de uma vida melhor e deixo para trás todos os meus amores.<br /><br />Depois de uma vida nas Minas Gerais, alguns anos morando no Rio e no Espírito Santo e sob forte influência da cultura paulista – o futebol que o diga –, concluo, feliz, a minha Missão Sudeste. Partiu praia.<br /><br />Missão Nordeste iniciada.</div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe width="320" height="266" class="YOUTUBE-iframe-video" data-thumbnail-src="https://ytimg.googleusercontent.com/vi/hFrPhNaSaj0/0.jpg" src="http://www.youtube.com/embed/hFrPhNaSaj0?feature=player_embedded" frameborder="0" allowfullscreen></iframe></div>
<div style="text-align: left;">
<br /></div>
<div style="text-align: left;">
<i>(...)</i></div>
<div style="text-align: left;">
<i><br />Às vezes a felicidade demora a chegar<br />Aí é que a gente não pode deixar de sonhar<br />Guerreiro não foge da luta e não pode correr<br />Ninguém vai poder atrasar quem nasceu pra vencer<br /><br />É dia de sol, mas o tempo pode fechar<br />A chuva só vem quando tem que molhar<br />Na vida é preciso aprender se colhe o bem que plantar<br />É Deus quem aponta a estrela que tem que brilhar<br /><br />Ergue essa cabeça mete o pé e vai na fé<br />Manda essa tristeza embora<br />Basta acreditar que um novo dia vai raiar<br />Sua hora vai chegar </i></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-36452982566417617892014-09-22T22:02:00.000-03:002014-09-22T22:03:24.420-03:00O candidato<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidcJJ786V2WSjV1119cWu5kLPZD5YumgbOzk2fyyjbkHTT2dIZ-f2d-YWsA_Q_f9h3ZYeseKSIXgUbygB29hRPcsS8bO8OxVHo_1BZnaaQZHkmYbd98sCRFKhhnqsPNgDqMXrkz2BHl78/s1600/cavaletes.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidcJJ786V2WSjV1119cWu5kLPZD5YumgbOzk2fyyjbkHTT2dIZ-f2d-YWsA_Q_f9h3ZYeseKSIXgUbygB29hRPcsS8bO8OxVHo_1BZnaaQZHkmYbd98sCRFKhhnqsPNgDqMXrkz2BHl78/s1600/cavaletes.jpg" height="182" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O candidato assumiu ele mesmo as diretrizes da campanha. Resolveu tentar fazer o que pouco se via por aquelas bandas: apresentar propostas, conversar com o povo. Não mandou fazer cavaletes porque pensava que as ruas e praças são locais públicos pertencentes a todos e não seriam placas ou bonecos em tamanho real, que atrapalham a caminhada das pessoas, que fariam com que ele fosse mais bem votado. Só emporcalharia a cidade. Além do mais, ele nem era bonito pra isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não compôs uma musiquinha grudenta e contratou um carro de som com volume alto porque acreditava que isso era falta de respeito, intromissão nos lares e empresas das pessoas. E nos ouvidos também. Não queria ser eleito à custa da poluição sonora.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nem santinhos. Eles sujam as ruas e servem mais para o pessoal desenhar chifrinhos, óculos e dentes podres do que para popularizar um candidato. Quando enchem as caixas de correios das casas então, nem se fala. Pior do que isso, só quando os afixam nos limpadores de para-brisas dos carros. Ele sabia que isso dá raiva, é chato.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O candidato queria apresentar propostas. Andou pelas cidades, conversou com o povo. Ele se posicionou sem medo, e sem que ninguém o perguntasse, sobre o que pensava para os rumos da economia, da saúde e da educação, da polícia, casamento entre pessoas do mesmo sexo, legalização das drogas e do aborto, redução da maioridade penal e pena de morte. Quando os jornalistas o perguntaram, aí que ele falou mesmo, com propriedade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Não pediu voto às pessoas que seguiam a mesma religião que ele. Evitou unir os assuntos, até. Também optou por não ficar se vangloriando de boas práticas de ex-gestores públicos do seu partido, assim como preferiu não atacar quem estava do outro lado. Chegou a reconhecer pontos positivos em diversos atos da turma do grupo político diferente do dele. E criticou outros, tudo argumentado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Andou, apresentou as propostas, conversou com o povo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Saiu o resultado, não foi eleito. Chegou nem perto disso, aliás, coitado.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-5286113736323068052014-09-01T00:00:00.000-03:002014-09-01T00:06:09.936-03:00O torcedor solitário<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgroX15BZFvogn54of7xvPVeaA-DgPFZkEixgtUipVSKm2YiOtUbS6kZL8ft48ckIg0SPkC7lyZe_NyRO2kGB2aEEE-4_xl1IVc3qbUM1H-Mw1kliKwKlzWfL0Rzga-x65u372XelCRI_4/s1600/torcedor.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgroX15BZFvogn54of7xvPVeaA-DgPFZkEixgtUipVSKm2YiOtUbS6kZL8ft48ckIg0SPkC7lyZe_NyRO2kGB2aEEE-4_xl1IVc3qbUM1H-Mw1kliKwKlzWfL0Rzga-x65u372XelCRI_4/s1600/torcedor.jpg" height="240" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O bebê sai da maternidade vestido com um miniuniforme do
time do pai, tem até gorro. E é por esse clube que ele vai torcer e se
apaixonar alguns anos mais tarde. Pai e filho acompanharão, abraçados, vitórias
e derrotas e compartilharão aquele mesmo amor inexplicável por uma agremiação por
toda a vida. Ou não. Porque a criança pode se rebelar contra qualquer determinação
e escolher, sozinha, os caminhos que ela vai trilhar em sua própria e ingrata
história de torcedor. Pode ir para o lado rival ou contrariar qualquer lógica
geográfica de imposição de preferência e ser fisgado por um grande amor à
distância.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu fui um desses. Meus pais nunca foram muito ligados em
futebol, é verdade. Eu decidi sozinho torcer por um time de outro estado (e
ainda hoje tenho que me justificar por isso para a sociedade). Comecei a acompanhar futebol um pouco mais tarde do que os outros meninos, mas tomei gosto pela
coisa e, desde então, são anos de jogos na TV às quartas e domingos e muitos
quilômetros de estradas em viagens para estádios. O mais especial e desafiador
de tudo: eu fui um pequeno torcedor solitário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ao longo da vida, eu não tinha amiguinhos que torciam pelo
meu time. Nem parentes. Eles se dividiam pelas duas equipes do estado. Eu não,
eu tinha meu ideal próprio, a bandeira só minha. Eu lutava sozinho cada
batalha. Eu ganhava ou perdia as guerras contra exércitos formados. Sofria
calado, comemorava sozinho. Nunca tive com quem dividir o abraço da vitória, o
choro da derrota ou a angústia de não ter o jogo transmitido na tevê aberta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Quando meu time perdia para o dos amigos, eu era massacrado impiedosamente
pela multidão. Na rua, na escola, em qualquer curso que eu fizesse. Eu sempre
era a minoria. Mas se o meu esquadrão vencia, eu triunfava sozinho como um
herói valente que desmonta um batalhão inimigo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 1998, eu tinha infinitos amigos cruzeirenses. E o duelo
final pelo título de melhor do Brasil foi entre mim e eles. Eu venci sozinho a
metade azul do estado e fiquei com toda a glória. No ano seguinte, o grande
jogo foi contra o Atlético. Eu ganhei de novo e outra vez ri e vibrei só.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No início de 2000, acredite se quiser, a maioria dos meus
amigos torcia pelo Vasco. E eu reinei mais um vez – e, dessa, do degrau mais alto
– quando vi meu time pela primeira vez
campeão do mundo. Dois anos depois, comemorei o último dos grandes títulos
sozinho: o da Copa do Brasil, este especial, no dia do meu aniversário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Em 2005, eu acompanhei quase toda a arrancada do time capitaneado
pelo Tévez ainda no consagrado, e até então imutável, bem aceito esquema da
solidão. Era rotina procurar, em vão, transmissão dos jogos pelos bares. Até
que, por uma interação virtual, enfim, conheci outros fanáticos como eu, que
também acreditavam serem os únicos num raio de quilômetros. De imediato, nos
identificamos. Eram todos bravos cavaleiros solitários em suas próprias
jornadas de torcedor. Ainda poucos, comemoramos o primeiro título brasileiro
juntos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Na Copa do Brasil de 2009, já éramos algumas dezenas e no
segundo Brasileiro ganho juntos, em 2011, o grupo já tinha crescido para centenas
de fiéis corinthianos tremulando bandeiras e cantando pela cidade. Em 2012,
abraçamos a América, abraçamos outra vez o mundo e abraçamos tanta gente
torcendo junto.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesses anos de jogos em bares com a turma do Corinthians,
fizemos festas, viagens para o campo e mais amizades. Em <i>bando</i>, ficamos ainda mais fortes. A angústia de não ter uma tevê
transmitindo as partidas, felizmente, é passado. O tempo em que eu, sozinho e
fardado de preto e branco, duelava contra o resto da humanidade em favor do meu
time é só uma lembrança.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eu ainda guardo o gostinho especial de desafiar o mundo para
torcer. Só quem defende, solitário, um time de longe sabe, de verdade, o que é servir
em um exército de um homem só.<o:p></o:p></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-69660010433822691432014-08-19T22:28:00.000-03:002014-08-19T22:28:14.498-03:00Releitura<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl6CO0T6N2HiQ0twkWbmC9jcda3SSFXPRIw6biHB_phnOWvH4Nxsr7xQsfg0sllu1opxvebuZ5dOsBLpk_j4S1M1lIvteGhpMTaevIKaDOF6wwcYUZ5X3lk-ERiEVJ1GAvTtB05XOlHkY/s1600/violonista.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhl6CO0T6N2HiQ0twkWbmC9jcda3SSFXPRIw6biHB_phnOWvH4Nxsr7xQsfg0sllu1opxvebuZ5dOsBLpk_j4S1M1lIvteGhpMTaevIKaDOF6wwcYUZ5X3lk-ERiEVJ1GAvTtB05XOlHkY/s1600/violonista.JPG" height="313" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não tinha mais ideia de que horas eram quando abriu a porta
de casa, cansado. Talvez fosse o meio da madrugada. Ou o fim. Ainda sentia o
gosto do uísque na boca. Outra vez, passara a noite na boemia, acompanhado de
toda a sorte de pessoas que a madrugada apresenta. Deixou os sapatos próximos
ao sofá e terminou de desabotoar a camisa. Serviu-se de mais uma última dose
honesta.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ele merecia aquela noite, o dia na empresa tinha sido mortal.
E tudo tem o seu momento.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O velho violão de cordas surradas repousava no sofá. Esboçou
uma sequência qualquer de dois ou três acordes antes de uma pausa para um gole
generoso do uísque. Dedilhou uma introdução de uma canção que tentava compor há
tempos, já meio abandonada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas, dessa vez, o ritmo soou melhor. Bem mais sincero.
Testou outra vez e a pegada levemente mais agressiva definitivamente o agradou.
A roupagem atual da melodia trouxe outra essência e ele arriscou um novo riff.
Tudo se desenvolvia numa naturalidade quase programada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
À medida em que o som se encaixava, ele sussurrava a letra.
Que, agora, não estava mais à altura da melodia. Ele a escrevera baseado em um
antigo affair com uma colega de trabalho. De início, era uma encomenda dela,
que nunca ficou pronta. A última versão falava da aproximação deles, o ápice da
relação até o envolvimento dela com um outro cara e o afastamento definitivo
dos dois. Decididamente, não seria essa a história a ser contada.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Com mais um gole decidido, secou o uísque do copo. E da
terceira frase em diante, a história foi radicalmente substituída por uma
sequência muito mais interessante, que nunca aconteceu. O romance ganhou ares
mais tórridos e proibidos na nova letra e, nela, nunca mais teve fim. Ele
acabava de compor a provável mais brilhante obra de toda a sua carreira de
músico amador. Tocou e cantou sua canção completa mais duas vezes. Sorriu para
si mesmo, orgulhoso.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Adormeceu no sofá, abraçado às velhas cordas.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No dia seguinte, acordaria com uma dor de cabeça cruel. E
jamais se lembraria dos seus lampejos de genialidade e inspiração de algumas horas
atrás. Condenado a viver eternamente em um escritório, nunca seria um artista de
verdade.<o:p></o:p></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-74928652621620074452014-08-15T00:58:00.000-03:002014-08-15T01:00:11.176-03:00(Não) Aconteceu<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFdCBW6CCtYHyuiaQqIU9_RV9nmJbBOAM07hHis4FMozq5pTWSuyXJT9Vbv67t9aheGDsmX7O0BWcblz7YCLOkGz50awtRkI_3-HxW-samHhc9nOcY31FYrbnJmRyal1N_60B_Aazn7Ss/s1600/08_MVG_mul_casal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjFdCBW6CCtYHyuiaQqIU9_RV9nmJbBOAM07hHis4FMozq5pTWSuyXJT9Vbv67t9aheGDsmX7O0BWcblz7YCLOkGz50awtRkI_3-HxW-samHhc9nOcY31FYrbnJmRyal1N_60B_Aazn7Ss/s1600/08_MVG_mul_casal.jpg" height="320" width="250" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Aconteceu que, naquela noite, ele sonhou com ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Era um amor antigo, dos que marcam o fim da adolescência e o
início da vida adulta. Foi bom, foi puro, foi jovem. Mas acabou. Depois voltou,
acabou, voltou. E um dia acabou de vez, há talvez seis ou sete anos. Ou mais,
não importa.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eles nunca mais se viram, muito menos se falaram. Cada um
seguiu seu destino, sem qualquer dor. Faziam parte da vida do outro em
comentários cada vez menos frequentes, que deixaram definitivamente de existir
sem ninguém perceber. Sobraram poucas lembranças, só as mais positivas,
escondidas em alguma gaveta secundária da memória.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até que, naquela noite, ele sonhou com ela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Eles se reencontraram e em tempo recorde já esculpiam,
juntos, os mesmos sorrisos de quando se conheceram por amigos em comum. Gargalharam
simultaneamente outra vez, por qualquer coisa. O olhar de cada um voltou a exibir
aquela cor brilhante depois de anos. O jeitinho diferente de falar soava perfeitamente
familiar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O sabor do beijo continuava o mesmo. Exata e inesquecivelmente
o mesmo.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
No sonho, não falaram sobre o que viveram desde o último
encontro. O hiato fora suprimido por um destino agora irrelevante. Só disseram
que sempre souberam que um dia estariam juntos novamente. E mais umas tantas besteiras
meio sem sentido. E aí ele acordou.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acordou com a estranha sensação de tudo ter valido a pena e
uma pontinha de desejo de que o seu universo imaginário se materializasse no
real. Sentou-se na cama, de onde via a estante da sala que um dia ostentou um
porta-retratos de um tórrido beijo deles. Mais intrigante era pensar que ele acabara de viver um momento especial que não aconteceu, com alguém que jamais saberia do
que tinha acabara de fazer parte.<o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Acontece que, naquela noite, ela sonhou com ele.<o:p></o:p></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-23601198713207788902014-07-20T21:51:00.000-03:002014-07-20T22:04:40.369-03:00Incredibilidade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEit5vFIx1nGT0ujZ0W1JpPoyndvV8n6LgMk9ZzxSA_h-qRoyhcZ9vSXcgH90kqiZ9-kb2jfMX-I-2cHitrdy-vuQQZCezWAq95-HFNGhG18pV6IDa0xVP3cvQKYyKSGRvQ5Fvcj36kzhrs/s1600/luz.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEit5vFIx1nGT0ujZ0W1JpPoyndvV8n6LgMk9ZzxSA_h-qRoyhcZ9vSXcgH90kqiZ9-kb2jfMX-I-2cHitrdy-vuQQZCezWAq95-HFNGhG18pV6IDa0xVP3cvQKYyKSGRvQ5Fvcj36kzhrs/s1600/luz.jpeg" height="320" width="212" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Um coquetel composto perigosamente por um tanto de solidão
temporária, boas memórias, uma pitada de saudade, três doses de uísque sem gelo
no início da madrugada de um dia útil e o som alto de uma música ruim num carro
na rua trouxe ela outra vez à memória dele. Outra vez. Os momentos juntos foram
diferentes, coisas só deles. Segredos. Ele já não se sentia mais no direito de carregar
esperanças de que o tempo voltasse até aquela época, nem que eles se
entendessem de novo num futuro improvável. Sabia que tinha acabado.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Só queria, uma última vez, ouvir a voz dela.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enquanto caminhava de volta pra casa, chutando, cabisbaixo,
pequenas pedras pela rua, apertava os olhos fechados e buscava no cérebro uma
informação perdida no baú das memórias da vida. Buscava nos seus arquivos mais
pessoais o número do telefone dela. Lembrou-se do número dois, o quatro e um
oito perdido na sequência. Iria arriscar.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E se ela atendesse? Ouviria a voz dela. E ele perguntaria,
casualmente, como andava a vida. Não, melhor não. Diria que ligou pela saudade.
Ou não falaria nada, só sentiria.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se ela não atendesse, ele colocaria a culpa no horário
desadequado, mas esperaria que ela retornasse a ligação na manhã seguinte. Não,
tinha cansado de esperar qualquer coisa a mais da vida. Apenas se certificaria
de que ela sabia que era ele quem chamava e que não queria mais qualquer
contato. Ou que, talvez, ela, enfim, não estivesse mais sozinha.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Discou o último número e chamou. Parou de caminhar, enquanto
mirava a luz de um poste fantasiando ser o reflexo da lua cheia para compor um
cenário épico.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Do outro lado da linha, uma familiar voz feminina doce e
segura respondeu com um áspero choque de realidade, que ele recebeu como uma
asfixiante pancada no estômago. Era o retorno que ele não queria ter. A mesma
resposta da última tentativa, não sabia quanto tempo atrás. Ele precisava mesmo
recolocar a vida nos eixos. Pior do que a solidão, a indiferença. <o:p></o:p></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Pior do que a indiferença era nem ter créditos suficientes
para realizar uma chamada telefônica. Pro inferno aquela gravação.<o:p></o:p></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-44910241925479191622014-02-23T20:53:00.000-03:002014-02-23T21:58:44.505-03:00A primeira década<div style="text-align: justify;">
Eu acordei cedo, não queria me atrasar. Acabava de iniciar o dia mais esperado da minha vida, ou pelo menos dos mais recentes três anos. Peguei o ônibus em Teixeiras, onde eu estava hospedado só por essa noite na casa de amigos, e vi as expectativas, que já eram gigantes, aumentarem a cada um dos 12 km de estrada.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Cheguei e, naturalmente perdido, tentei descobrir para onde eu deveria ir. Instintivamente, perguntei onde era o meu departamento a algumas pessoas aleatórias e nenhuma delas soube me explicar. Meu pé atrás me fez pensar se tratar de uma pegadinha típica dos mais experientes, mas depois viria a saber que ainda não existia mesmo aquele departamento na época. Minha experiência de onde eu vinha me traiu, lá é que as coisas funcionavam separadas. Eu conheceria em breve um mundo acadêmico muito mais integrado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUYVYuyUamDVKVdk4X-A5tEYg2Yx917pf-WsstYchKACQG20gEnqm7phVLMJLQnlrNnvSj6vLomjT0dREKVT_kFI4dcABYU7T_D9Q7fHI83G8Seoq4GiguK8-eAPq75aLypjPIX5teuAw/s1600/pilastras.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhUYVYuyUamDVKVdk4X-A5tEYg2Yx917pf-WsstYchKACQG20gEnqm7phVLMJLQnlrNnvSj6vLomjT0dREKVT_kFI4dcABYU7T_D9Q7fHI83G8Seoq4GiguK8-eAPq75aLypjPIX5teuAw/s1600/pilastras.jpg" height="181" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Meio em cima da hora, achei a sala, uma entre tantas de um corredor. Pelo vidro da porta, vi que já havia uma quantidade considerável de pessoas lá dentro e um professor falando. Não sabia se eram da aula anterior que ainda não havia acabado ou eram os meus futuros colegas. Tive receio de entrar na aula errada e começar com o pé esquerdo minha carreira universitária. Tive receio de perguntar a alguém e ser ridicularizado pelo total desconhecimento da situação. No corredor, vi duas meninas com o olhar perdidamente questionador, tal qual o meu deveria estar, e nos aproximamos. Compartilhávamos a mesma dúvida: era ou não a nossa classe? Decidimos arriscar, juntos. Abrimos vagarosamente a porta e entramos na aula de Filosofia, nossa primeira na Universidade Federal de Viçosa.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O professor estranho foi o só o primeiro dos que nós conhecemos. Ao fim da aula, apareceram os temidos veteranos e eles iniciaram o temido trote. Cá, entre nós, não precisa ter tido temor algum, foi muito tranquilo. Eu, que não cortava o cabelo desde que o resultado do vestibular havia sido divulgado, fui a alegria dos veteranos com tesouras nas mãos. Mais tarde, passaria em um salão do qual eu tinha recebido, no dia da matrícula, uma propaganda anunciando que rasparia a cabeça gratuitamente para calouros e eu me sentiria mais universitário do que nunca: careca e cabeçudo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIxtZMKCqOejTGnFTuDJaZHHFNVyV-ihcjAXsxNINYfG6gkjfFWe2rDwX3LqsFnrD3v5HjxL-ezaPcyGQCGXeMv-lSLKjXpEvJJAFS7w07mMQI7MbxcCG6TBorjbsabMpNssX4AwNx8OQ/s1600/calouro.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIxtZMKCqOejTGnFTuDJaZHHFNVyV-ihcjAXsxNINYfG6gkjfFWe2rDwX3LqsFnrD3v5HjxL-ezaPcyGQCGXeMv-lSLKjXpEvJJAFS7w07mMQI7MbxcCG6TBorjbsabMpNssX4AwNx8OQ/s1600/calouro.JPG" height="320" width="252" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<div>
No mesmo dia, conheci o RU. Foi o primeiro almoço de uma série que duraria anos, no <a href="http://issoqueeufalei.blogspot.com.br/2010/10/o-mesmo-lugar.html" target="_blank">mesmo lugar</a>. Esse primeiro, com os veteranos e já comecei algumas amizades que duram até hoje. Na mesma noite, a primeira festa, a calourada. Em uma república, muitas bebidas, novos amigos. Lembro-me de que alguns colegas de sala não foram à festa porque tinham medo de que os veteranos tivessem preparado uma segunda parte do trote para lá, o que não aconteceu. Esses sim começaram a faculdade com o pé esquerdo. Cabe aqui uma confissão: até aquele momento, eu não queria ter me mudado para Viçosa. Queria ficar em Juiz de Fora, fazer a faculdade de lá. Mas ali eu mudei completamente de opinião e não me arrependi, nem por um segundo, da vida que o destino escolheu para mim.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Esse aí foi o resumo da minha primeira segunda-feira em Viçosa, o inesquecível 1º de março de 2004. Na terça, fomos a um bar. Na quarta, a uma festa na república das simpáticas e alegres veteranas, as Joselitas. Esse evento foi um dos mais fantásticos e inesquecíveis dos quatro anos de faculdade. Quase todos da sala foram. Lá, terminamos de nos apresentar, nos divertimos demais, conheci mais uma infinidade de pessoas e já dava para ter uma séria ideia de quem seriam os que me acompanhariam integralmente por toda a jornada.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
Um ano depois, eu era um dos donos da festa. A república que eu fundei no fim do primeiro período e residi até o último dia de Viçosa teve a honra de promover a primeira festa no dia que as aulas começaram em 2005, 2006 e 2007, as Coalouradas. Esse humilde apartamento com localização desfavorecida no meio do morro, divisão de cômodos questionável, mofo acumulado nas paredes e vizinhos chatos, mas com uma sala de tamanho invejável, sediou ainda muitas outras festas durante esses anos. Foi até emprestado para festas alheias. Bons tempos aqueles.</div>
<div>
<br /></div>
<div>
O tempo passou, nós nos formamos, cada um seguiu sua vida. Em Viçosa, chegamos adolescentes, mas adquirimos vivência e saímos adultos, cada um com um esboço do próprio futuro traçado. O que nunca mudou é a vontade que a gente sente de estar junto. Eu tive a sorte de conhecer e conviver com <a href="http://issoqueeufalei.blogspot.com.br/2008/08/os-melhores-caras-do-mundo.html" target="_blank">os melhores caras do mundo</a>. E é pelas mais simples memórias de lá que eu rabisquei, despretensiosamente, minha eterna melhor obra, a <a href="http://issoqueeufalei.blogspot.com.br/2011/11/vicosa-vicosa.html" target="_blank">Viçosa viçosa</a>.</div>
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfTiSz0AiHuKQhvmH_nVTX2OPlZi7N9MkrVJM7QkeeujrmMIB5xzkIW0CdLdFxUzaN2_Ii1JDgTDBydklMN2l5Bls66jpr17Qqe0-y1xosskoC4DrXqd6g2tXZ_8XmluV0sN8zQ2BjS3E/s1600/5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfTiSz0AiHuKQhvmH_nVTX2OPlZi7N9MkrVJM7QkeeujrmMIB5xzkIW0CdLdFxUzaN2_Ii1JDgTDBydklMN2l5Bls66jpr17Qqe0-y1xosskoC4DrXqd6g2tXZ_8XmluV0sN8zQ2BjS3E/s1600/5.jpg" height="240" width="320" /></a></div>
<br />
Aquele pessoal que chegou antes de mim para a aula do dia 1º de março de 2004, que eu observava receoso de não ser a minha classe e eu passar vergonha ao entrar na sala, deixou de ser uma turma de faculdade, há muito tempo. Nessa primeira década, que se encerra daqui poucos dias, vivemos muita coisa juntos, nos quatro anos de convívio diário e nos seis anos de distância. Quando completar dez anos que nos conhecemos, estaremos juntos de novo. Vou passar o Carnaval com, pelas minhas contas, mais de dez deles. E olha que eu nem queria ir pra Viçosa! Sem querer, encontrei os melhores amigos.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQE8o8ccJlU0BJ2zWk3AnEJmJ3Th-qE5roDZw3jOejl91GpuTxeb77TAavYCy0FkNMLw9k_BJGB07KNb1PuFsVs3W9F90zj41K0oqw6VcGeKTVsODT2TXMODGr5KK5xPkQUIWw2wGY5-s/s1600/2013-03-30+17.10.43.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQE8o8ccJlU0BJ2zWk3AnEJmJ3Th-qE5roDZw3jOejl91GpuTxeb77TAavYCy0FkNMLw9k_BJGB07KNb1PuFsVs3W9F90zj41K0oqw6VcGeKTVsODT2TXMODGr5KK5xPkQUIWw2wGY5-s/s1600/2013-03-30+17.10.43.jpg" height="240" width="320" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<div>
Deve mesmo ter alguém, que de algum lugar, decide nossos rumos pela gente, sem se importar muito com o que a gente pede. E eu vou sempre dever essa a Ele.</div>
<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlkPz54dBfKJQDdYSxPBeYwrmXxJxGyKeBpAJ11vQwi44m0F9OkmP_wxI7QmPgsg5BxZS3RTO3jwkRAu2ao637qHPd0q1FhUatuYInCpf6BGIQ0rAWuFHNtt9IlSm_H7DJYRLTc8PO82g/s1600/DSC030112.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlkPz54dBfKJQDdYSxPBeYwrmXxJxGyKeBpAJ11vQwi44m0F9OkmP_wxI7QmPgsg5BxZS3RTO3jwkRAu2ao637qHPd0q1FhUatuYInCpf6BGIQ0rAWuFHNtt9IlSm_H7DJYRLTc8PO82g/s1600/DSC030112.JPG" height="240" width="320" /></a></div>
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<br /></div>
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Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-85911557806335859212014-02-13T22:52:00.002-02:002014-02-13T22:54:29.903-02:00Momento próprio<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNTyt2nCc1z3URKNAVMBT3d8vonMX0zzxXMRf4LfphTl-RMrySjR6vAiGDjw6uzlBYimDGJjSW-ORQiZIeoN_0Lcjgar3frshvzCaDgLhWyOSle3hS7SElcxD1HpRTIvIeu4tFJGwzCOc/s1600/janela.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgNTyt2nCc1z3URKNAVMBT3d8vonMX0zzxXMRf4LfphTl-RMrySjR6vAiGDjw6uzlBYimDGJjSW-ORQiZIeoN_0Lcjgar3frshvzCaDgLhWyOSle3hS7SElcxD1HpRTIvIeu4tFJGwzCOc/s1600/janela.jpg" height="320" width="244" /></a></div>
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<br /></div>
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Quando deu por si, o vidro já estava marcado próximo à sua boca pela respiração. Não sabia há quanto tempo estava ali, parado, olhando pela janela. Perdeu as contas de quantas ondas já haviam se formado na imensidão azul do outro lado da rua. Enfim, estava em paz. Cansado, pernas doloridas, mas em paz.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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A viagem fora cansativa, mas aparentemente tudo saía como planejado. A pousada era bem confortável e, como ele fez questão, de frente para o mar. Tinha até ar condicionado. O passeio era o primeiro passo para ele retomar sua rotina e sair do buraco em que a vida lhe colocara.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Terminar o relacionamento definitivamente não foi fácil. Seis anos de união, o último deles sob o mesmo teto. Até que acabou, ela não quis mais e se foi. Desde então, ele passava os dias no apartamento que fora do casal e ainda sentia o cheiro dela em tudo. Esperou o dia que ela decidisse voltar. Esse dia que nunca chegou e, agora ele bem sabia, nem chegaria. Ela estava feliz e ele não a culpava por isso. Pensava que as pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Então, decidiu viajar. Sozinho. Conhecer um estado novo, ver outra vez o mar. Seria a oportunidade perfeita para sair de vez do casulo que criara e se escondera todo esse tempo. A vida era mais do que uma relação a dois. As pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento! O dele era de se redescobrir, de recomeçar. Escolheu a dedo o destino, a hospedagem, a praia. Agora, depois de um dia de viagem, com a mochila aos pés, olhava o mar pela janela, tal como havia esperado ansiosamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Alguém bateu à porta e o trouxe de volta ao mundo real. Estranhou, foi abrir.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Sem jeito, a camareira pediu desculpas, disse que precisava repor o consumo do último hóspede, que havia deixado a pousada há pouco. Ele consentiu, claro. E ela entrou no quarto segurando três garrafinhas de água e meia dúzia de pacotes de preservativos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele voltou a olhar o mar, azulão. Reflexivo, pensava que as pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento. Mas bem que poderia ter mais do que alguns minutos de diferença entre o momento dele e o dos outros.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-47407115404862130232013-10-16T07:48:00.000-03:002013-10-16T13:02:18.735-03:00O meu urso<div style="text-align: justify;">
Imaginemos que é aniversário de um menino e é preciso comprar um presente pra ele. Mas não pensemos em uma criança da modernidade, que naturalmente esperaria por algo eletrônico, como um videogame ou até um tablet. Voltemos quase três décadas no tempo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Como é um menino, é natural que ganhasse um carrinho ou uma bola. Um boneco de herói, quem sabe. Talvez os menos politicamente corretos o presenteassem com uma espada ou uma arminha. O aniversariante é bem novo, então pode ser um bichinho de pelúcia. Um ursinho! Que tal um com a cabeça cor-de-rosa, focinho branco e narinas rosa, corpo alaranjado, uma orelha verde e outra amarela, uma <i>mão </i>amarela e outra verde (em lados apostos aos da orelha) e um <i>pé </i>roxo e outro amarelo?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Essa decisão, aparentemente sem a menor sensatez, foi tomada por uma tia minha pouco antes do meu primeiro aniversário. O que ninguém imaginaria é a forma como eu me apegaria àquele estranho ser multicolorido. E ele a mim. O ursinho era o Ursolino, provavelmente batizado pelo meu pai (é a cara dele essa <i>criatividade</i>), inspirado no nome de um personagem de desenho animado que também passava no horário do Pica-Pau.</div>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidjvUwidQxXWAcoZ6moJtxKR8qyohjIvPVgmQTgDSTy9mMdOPUTV-2_mRH__UsWW8UWZ7vVzf-0sqdQ_zMNbJtuyWKMZ6d7mCpxnzMPFx4kJHI6CftsrlqHN_OgBQXAQRpfNbBpwA0nMM/s1600/Ursolino.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidjvUwidQxXWAcoZ6moJtxKR8qyohjIvPVgmQTgDSTy9mMdOPUTV-2_mRH__UsWW8UWZ7vVzf-0sqdQ_zMNbJtuyWKMZ6d7mCpxnzMPFx4kJHI6CftsrlqHN_OgBQXAQRpfNbBpwA0nMM/s320/Ursolino.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Enquanto eu descobria o mundo, ele me acompanhava. Quem me conheceu nos já longínquos primeiros anos da minha infância, se acostumou a me ver agarrado ao meu ursinho. Nós nos tornamos inseparáveis. O Ursolino foi meu primeiro, e talvez maior, parceiro de aventuras.</div>
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<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGJklDK215GM_aFXBCu6iFr18Sxlbj0KkTkIKELsUoIlApmVZ5I6t7Jl7CP0NIPKjXOgabGQ_nIt75UzjNyzlm-nNSzt1EDXX5DUwYoIjwZO7vMBvw3zK-7SSEA_oxw9iThnbk33Fp-fM/s1600/DSC00574.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhGJklDK215GM_aFXBCu6iFr18Sxlbj0KkTkIKELsUoIlApmVZ5I6t7Jl7CP0NIPKjXOgabGQ_nIt75UzjNyzlm-nNSzt1EDXX5DUwYoIjwZO7vMBvw3zK-7SSEA_oxw9iThnbk33Fp-fM/s320/DSC00574.JPG" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Aos poucos, a pelúcia foi deixando de ser um brinquedo para ser um companheiro natural. Minha irmã nem era nascida e já era dele que eu cuidava.</div>
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<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW6xAX9zn_Mck2GvWTHA0vNihyphenhyphenru52Ja9Wlm7M_yELQGs-ePvy7dPqpeq2NvHu2QnocOp05k6tM0F87JnNRfzrDuOsSKOE5R-ndPj7542rrQ1WnKSEKLrqYXaLacuzPYXWV3rgqHaQXmA/s1600/DSC00588.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="237" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW6xAX9zn_Mck2GvWTHA0vNihyphenhyphenru52Ja9Wlm7M_yELQGs-ePvy7dPqpeq2NvHu2QnocOp05k6tM0F87JnNRfzrDuOsSKOE5R-ndPj7542rrQ1WnKSEKLrqYXaLacuzPYXWV3rgqHaQXmA/s320/DSC00588.JPG" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Ben 10 da minha época é o He-Man. Meu irmão tinha um castelo de Grayskull que fazia o maior sucesso entre nossos amigos. Tínhamos bonecos de todos os personagens e, para que a gente não brigasse, nós dois tínhamos o do He-Man. Os dois, e boa parte da molecada, tinham espadas, mas acho que só eu no mundo era dono de um urso debaixo do braço que podia ser transformado no Gato Guerreiro.</div>
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<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiejhHT1eaIsE5KT14E11rY0y-yZIthA37NzQ0aEz9N1vgtb14mNAkSO8K24MdJIqTI62rTTUwJoViYwOCJi5keozxIJ_x_BdeOg37wEfdazK78u5K3T1v8rQ4UI8xGG4f23cuK3vWRlMA/s1600/DSC00583.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiejhHT1eaIsE5KT14E11rY0y-yZIthA37NzQ0aEz9N1vgtb14mNAkSO8K24MdJIqTI62rTTUwJoViYwOCJi5keozxIJ_x_BdeOg37wEfdazK78u5K3T1v8rQ4UI8xGG4f23cuK3vWRlMA/s320/DSC00583.JPG" width="222" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu precisava me alimentar. Tinha até uma mesinha de criança. Nela, almoçávamos eu, meu irmão e, claro, o Ursolino.</div>
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<br /></div>
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<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhapO1ocd0w3jkCcoZ8YILBlpyzOui8650CR6RgDU2N3E6o18q65Gy29Iai59WbBJru57cAZPKI7yDKMwzqrWXYuFRZDhyphenhyphenQ4jUgh5m95YAtISdF0hkZ1HOZkOEgSfgvAEnzwMwZH07cksE/s1600/DSC00585.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhapO1ocd0w3jkCcoZ8YILBlpyzOui8650CR6RgDU2N3E6o18q65Gy29Iai59WbBJru57cAZPKI7yDKMwzqrWXYuFRZDhyphenhyphenQ4jUgh5m95YAtISdF0hkZ1HOZkOEgSfgvAEnzwMwZH07cksE/s320/DSC00585.JPG" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu cresci. Com o tempo, nós nos separamos e o ursinho acabou indo morar em alguma gaveta com outros brinquedos. No princípio da <i>nossa </i>adolescência, não nos víamos muito, mas eu ainda guardava um carinho grande por ele. Era como um velho amigo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até que um dia eu ganhei uma cadelinha, a Paquita. Uma cocker spaniel preta, linda. Fiquei apaixonado com a filhotinha. Ela era muito nova e, à noite, chorava muito. Recorri à gaveta e apresentei o Ursolino a ela; pensei que eles pudessem ser amigos e ele fazer a ela parte do bem que me fez quando eu era um filhote. Mas os instintos da cadela falaram mais alto e, na madrugada, ela o assassinou, com um furo no pescoço, de onde retirou todo o algodão que o preenchia. Acabava ali uma história de longos anos de amizade entre mim e um urso de pelúcia colorido. O meu urso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O Ursolino se transformou em uma lembrança da infância. Talvez a melhor delas, a que representa o que de mais puro eu vivi. Onde quer que você esteja, velho companheiro, saiba que você sempre será inesquecível. E que a vida de gente grande seria muito melhor se eu ainda pudesse te carregar debaixo do meu braço de vez em quando.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Que no céu das pelúcias você tenha encontrado amigos como nós fomos. E que esteja descansando em paz como a gente fazia no fim de uma tarde de aventuras.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVBC8isu9NwZHnxpTIPwHTblJ2Ts2StH0Ewanuuf57D6E8PLD8akgKA3tY38p6aBx2SpbRswfxMPh5A7ijihwnfO6f0ade4IhlWup1rNiMBbJCkDFQNCDqxr5QoGvtzXxM8mkwIegeaOY/s1600/DSC00587.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhVBC8isu9NwZHnxpTIPwHTblJ2Ts2StH0Ewanuuf57D6E8PLD8akgKA3tY38p6aBx2SpbRswfxMPh5A7ijihwnfO6f0ade4IhlWup1rNiMBbJCkDFQNCDqxr5QoGvtzXxM8mkwIegeaOY/s320/DSC00587.JPG" width="228" /></a></div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-16993897926181434922013-08-31T01:54:00.000-03:002013-09-24T23:03:52.795-03:00Dose real<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDOI9mYbc88ed6HcV5KWr16hKi-VuL6VHrCxzL2na2HeNF1siGLaoerm0Lrhw6GQAiwSRZoEbf5Iv1XJHIb5tzfQB59uPcIJfrGzkr7oKt94I8u_CRaOcQ4amtWBvvdrxKbK-K6kg3zas/s1600/dose.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiDOI9mYbc88ed6HcV5KWr16hKi-VuL6VHrCxzL2na2HeNF1siGLaoerm0Lrhw6GQAiwSRZoEbf5Iv1XJHIb5tzfQB59uPcIJfrGzkr7oKt94I8u_CRaOcQ4amtWBvvdrxKbK-K6kg3zas/s1600/dose.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Quando parou, conseguiu tirar um minuto para ele, já era fim da sexta-feira. A semana tinha sido foda. Pior: a sensação era de que nada tinha rendido, faltavam um milhão de coisas a fazer. Exausto, com o peso da vida sobre os ombros, se sentou à velha mesa da cozinha, iluminada por filetes de luzes frias do poste da rua que escapavam pelo canto da janela. Sabia que precisava descansar, no sábado cedo tinha mais trabalho. Acordaria junto com o Sol.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Depois de um instante fitando o nada, acendeu um cigarro. Parecia a única alternativa a tudo. A cada tragada, sem qualquer pressa, era como se penosamente trouxesse ainda mais problemas para dentro de si. Mas soltava a fumaça como se se livrasse de todos eles de uma vez. Num ciclo infinito. Caminhou até a estante.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda tinha um resto de uma velha aguardente. Serviu-se de uma dose, se sentou de novo, sem qualquer indício de humor, talvez perdido na rotina pra sempre. Deu mais uma tragada no cigarro e, sob a visão turva de uma fumaça cinza expelida por ele próprio, virou o copo de uma vez. Cachaça forte, desceu seca. Do jeito que ele queria.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pensou nas contas. Contas pra caralho. Outra vez, teria que escolher alguma para ficar para o próximo mês. No fundo, sabia que em 30 dias também não conseguiria quitar todas. Já estava puto com isso.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Mais um trago lento. Mais uma dose cheia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pensou no chefe. Filho da puta. Uma exigência atrás da outra, com prazos cada vez menores para apresentar os resultados. Claro que não daria tempo. Se não precisasse tanto do emprego, já teria dado uma porrada no infeliz há muito tempo. Mas isso também não resolveria nada. Puxou a nicotina, precisava da fumaça. Apagou o cigarro em um cinzeiro improvisado numa tampa de garrafa esquecida na mesa. Encheu o copo de pinga.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Bebeu mais cachaça. Acendeu um fósforo e outro cigarro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Pensou na ex-mulher. Estava demorando, sempre pensava nela. Foi embora e levou boa parte do que ele tinha. Fodam-se os bens, ela levou um pedaço dele com ela. Nunca mais a viu e, se os boatos que falavam dela eram verdade, preferiria não ver mesmo. Ele era um otário. Deu um trago. Soltou a fumaça vagarosamente e ela se misturou com o álcool exalado no ambiente compondo um cenário mínimo de caos. Permitiu-se um suspiro. Depois, se serviu de mais uma dose, maior. Virou a bebida, sem qualquer cerimônia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Agora sim, enfim, não pensou em porra nenhuma.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-39527361979960695512013-08-24T15:42:00.003-03:002013-08-24T15:45:51.824-03:00Pacto de sangue<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgW55kZmJvH2JOJqFahsDmqsaYbU-scbYK9fV2gV78ASPzjWYQlD74_iHGFAGZQNtMfrlzJz_wq7LftJj3aIUulPr0hj0UH8fyOcFLhEwjwC4MyOoec9yNlmn6kKxYrx8zuQsb2UlPqscE/s1600/mesa.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="257" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgW55kZmJvH2JOJqFahsDmqsaYbU-scbYK9fV2gV78ASPzjWYQlD74_iHGFAGZQNtMfrlzJz_wq7LftJj3aIUulPr0hj0UH8fyOcFLhEwjwC4MyOoec9yNlmn6kKxYrx8zuQsb2UlPqscE/s320/mesa.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
- Oi. Psiu! Ei! Acorda, cara. Oi! Acoorda!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele abriu lentamente os olhos e os esfregou com as costas das mãos enquanto tentava sentar-se. A noite tinha sido péssima, quase não dormira. A cortina estava fechada e a escuridão ainda abraçava o ambiente. No quarto, além dele, só o Bozó com as patinhas dianteiras sobre a cama e a cara de coitado, como sempre fazia.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Acordou?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Aaaaaaaaaaaah!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O grito saiu tão forte que ele recuou até suas costas encostarem-se à cabeceira da cama e o pequeno vira-latas adotado há pouco tempo correu desesperado para fora do quarto em disparada. Sim, ele ouvira uma voz doce e infantil, ao que parecia pertencente ao cachorro.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Passado o susto, saiu, devagar e incrédulo, à procura do Bozó. O cãozinho estava escondido debaixo da mesa da cozinha. Ele o chamou e outra vez ouviu palavras no seu idioma. Estava confirmado: agora ele fazia parte de um seleto grupo de seres humanos que, como São Francisco de Assis, Doutor Dolittle e Salsicha, conseguia se comunicar diretamente com animais de outras espécies.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Explicado o mal entendido ao Bozó, que o perdoou pelo grito e ainda deu três lambidas em sua mão direita, ele preparou um café. Estava exausto, não vinha conseguindo ter uma noite de sono completa há meses. As olheiras evidenciavam como dormia mal. Da varanda, chegou uma bela voz afinada cantando um antigo samba triste de Noel Rosa, o <i>Último Desejo</i>. Era do seu canário, que, melancolicamente, oferecia a ele o mais belo espetáculo musical que já ouvira. Após alguns minutos de contemplação, abriu a porta da gaiola e deixou que o pássaro decidisse o momento certo de ganhar sua liberdade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As surpresas estavam só começando. Conversou com um conhecido gato de rua e descobriu que a barulhada que ele fazia vinha de suas dores de estômago, o felino sofria de algo como uma úlcera. Sentiu pena. Ouviu o casal de jabutis do vizinho se acasalando e ficou envergonhado com o baixo calão das palavras que proferiam. Vivendo e aprendendo. Ouviu do seu peixe beta que o aquário era pequeno demais, a comida era ruim e que ele estava com saudades de ouvir Ramones. Pois é, o Nino era um peixe punk.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Essa situação maluca, no entanto, talvez fosse a saída para o seu sono acumulado. Agendou uma reunião com seus piores inimigos para o meio da tarde, na mesa da sala. Não que ele tivesse insônia, não que trabalhasse tanto assim ou tivesse preocupações tão diferentes das da maioria das pessoas. Era o zumbido irritante dos pernilongos em volta dos seus ouvidos que o impedia de repousar o sono dos justos. Já havia tentando inseticidas em spray e dispositivos ligados à energia elétrica, mas nada dava fim aos magrelos insetos voadores sugadores de sangue que pareciam possuir pequenos motores propagadores de zumbido em suas frágeis estruturas corporais.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A conversa foi tensa, eles se agrediram verbalmente em alguns momentos. Ele tentou exterminar os inimigos à base de tapas por duas ou três vezes, mas se conteve. Precisava aproveitar a oportunidade. E o combinado ficou assim: os pernilongos se esconderiam durante o dia atrás do guarda-roupa e não seriam incomodados. À noite, voariam no mais absoluto silêncio, sem nunca passar próximo aos seus ouvidos. Em troca, ele deixaria sempre parte de um pé para fora da coberta, sem meia. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Coçava, às vezes doía e ele acordava cheio de pontinhos vermelhos no pé. Mas passou a dormir por horas seguidas e se tornou muito mais disposto, sua vida virou outra. Nunca fora muito bom de negociação mesmo, saiu até no lucro.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-24065105294616823132013-08-20T18:53:00.000-03:002013-08-20T19:36:29.692-03:00Moçada do Norte<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZCPACIPWjfJYDlcoEH_rnzsHCLByApMaHassO1nwKBnv1rLVr4ltclbyV1OqIFKk-NlTHGJgHR9F-nJFUOjtKD6KjNPpap5lkNSEz3G-IERmR-NqxBLaQuKC3havkhB8wlTT9RMOC2No/s1600/futsal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="235" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZCPACIPWjfJYDlcoEH_rnzsHCLByApMaHassO1nwKBnv1rLVr4ltclbyV1OqIFKk-NlTHGJgHR9F-nJFUOjtKD6KjNPpap5lkNSEz3G-IERmR-NqxBLaQuKC3havkhB8wlTT9RMOC2No/s320/futsal.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por obra do destino, eu nasci no Vale do Rio Doce (na verdade, descobri que essa é a mesorregião agora, pesquisando na internet), em Minas Gerais. Depois, foram anos de mudanças e residências no Campo das Vertentes, na região metropolitana do Rio de Janeiro, região metropolitana de Belo Horizonte (esse eu também não sabia, mas suspeitava), Zona da Mata mineira, litoral Norte do Espírito Santo e Norte de Minas. Em cada canto desses, um povo com sotaque diferente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ainda estou me acostumando com o sotaque dos montes-clarenses, que é uma mistura de mineiro com baiano e tem suas peculiaridades. E um episódio recente me chamou a atenção sobre esse assunto. Eu passava perto de uma quadra, onde uns garotos praticavam futsal e outros esperavam na arquibancada sua vez de jogar. A pelada estava boa, parei por alguns instantes para acompanhar a movimentação da partida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Entre ataques e defesas, divididas e gols, um lance duvidoso. Um rapaz dominou a bola próximo à linha de lado e um adversário reclamou a marcação de um lateral a favor do time dele. O jogador com a bola contestou. O outro foi incisivo:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- A bola saiu, moço!</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Não saiu, moço. Tava em cima da linha.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Moço, saiu sim. Eu vi.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Não saiu não, moço. Sério mesmo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Moço, claro que saiu, eu tava em frente à bola.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A discussão foi se acalorando. Os outros jogadores intervieram. O pessoal de fora também. Formou-se um aglomerado conflituoso. Os ânimos se exaltaram.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Saiu sim, moooço.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Moço, a bola não saiu. Em cima da linha não é fora.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu sei, moço. Mas saiu toda. É lateral sim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Moço, não foi. A bola é nossa, segue o jogo.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Não, moooço. Pra que eu iria inventar isso? É nossa aqui, moço.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- É dos caras, moço.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Moço, é nossa. Não passou a linha.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- É deles, moooço.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Nisso eu desisti de esperar o veredito coletivo quanto à marcação ou não do lateral e segui meu caminho. De longe, ainda ouvia “moço”, “moço”, “moooço”, “moço”... </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Acho que se não chamaram o Arnaldo pra ele decidir sobre o lance, a <i>moçada </i>deve estar lá argumentando até agora. A essa altura, é bem possível que já tenham ter batido o recorde mundial de palavra repetida mais vezes numa mesma discussão.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-72416085223468582172013-07-21T14:26:00.000-03:002013-07-21T14:26:26.085-03:00Selvagem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEC7WdVgNHNqEMXTTJSvSG2E6Vs7J_AprMAOgWNwntPyD1pDeRZg6ORh_Mx90gu1FtuODsIm60-oAoU1QD2HY9thbriq2KoEq92jI24l_3KtP2fUrrt936YYYcPg58TRPJkrw-lVGyRwI/s1600/casal.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhEC7WdVgNHNqEMXTTJSvSG2E6Vs7J_AprMAOgWNwntPyD1pDeRZg6ORh_Mx90gu1FtuODsIm60-oAoU1QD2HY9thbriq2KoEq92jI24l_3KtP2fUrrt936YYYcPg58TRPJkrw-lVGyRwI/s320/casal.jpg" width="277" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Demorou a acontecer, mas a espera tinha valido a pena. O casal já estava junto há um tempo e, aos poucos, eles foram naturalmente subindo degraus na escala da intimidade. Faltava chegarem ao último – ela preferiu esperar a hora certa, para que cada detalhe fosse perfeito, e ele entendeu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Assim, sem pressa, com todo o tempo e espaço do mundo, as coisas aconteceram. À meia luz, à trilha sonora de uma balada romântica leve. Tudo conforme o planejado, bem como eles sonharam. Agora os corpos, ainda quentes e ofegantes, se abraçavam, enquanto ele vagarosamente oferecia um cafuné ao cabelo dela. A sensação era a de que poderiam ficar ali para sempre, o universo estava em segundo plano. Até que aquele reconfortante silêncio foi quebrado.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Eu preciso te contar uma coisa. Sei lá, prefiro que você saiba por mim.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O sorriso simples dela se fechou e a boca articulou uma interrogação. Os olhinhos, então docemente apertados, se assustaram. Arregalaram-se. Pareciam prever algo não muito bom.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Ahm?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- É que... eu viajei com meus amigos no fim de semana.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Isso ela sabia. Mas jamais imaginava que pudesse ter acontecido algo que interferiria na relação do casal e que merecesse a seriedade que o tom de voz dele sugeria. A voz dela estremeceu.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- E...?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- A gente bebeu bastante.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Fala! Tô ficando agoniada! O que que aconteceu?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ela o chamou pelo nome, algo absolutamente incomum.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Tinha muita gente, pessoal tava animado. Fizemos um churrasco.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- E...? Pelo amor de Deus, termina.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Na roça! Um churrasco na roça. E eu tô cheio de marcas de picada de carrapato até hoje, algumas parecem ser bem recentes. Acho melhor você já se preparar para se coçar também.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele estava certo. E, naquele dia, ela aprendeu que não existem momentos perfeitos. Mesmo os melhores trazem embutidos pequenos problemas. Alguns bem pequenos mesmo e, não importa o quanto se tente, são quase impossíveis de se localizar.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-45710676970511905612013-07-16T00:41:00.000-03:002013-07-16T00:46:08.631-03:00Acadêmico<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxxFgXhRKixd86RS41t-cGo7nsezLw_69dGIPMJDVmtGZXFkb5DzcFxRGHltvAURIWo0xpIrTtaQQI6xJrvBs0uY7KoNxEuR1GxgvmI7rRdtVPlBsx0pSfqcuROaEF8Hv0i7V3_Wr9-fc/s1600/prof.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxxFgXhRKixd86RS41t-cGo7nsezLw_69dGIPMJDVmtGZXFkb5DzcFxRGHltvAURIWo0xpIrTtaQQI6xJrvBs0uY7KoNxEuR1GxgvmI7rRdtVPlBsx0pSfqcuROaEF8Hv0i7V3_Wr9-fc/s320/prof.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu gosto de ambientes universitários. Não, não me refiro às atuais baladas de sertanejo, mas de fato aos espaços acadêmicos de trocas de conhecimentos. Também não falo especificamente das salas de aula, até porque sou meio crítico do sistema de educação como ele é, mas isso é papo pra outra hora. São os ambientes de uma forma geral que me inspiram.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
As faculdades são espaços de compartilhamento de saberes, de vivências. São lugares povoados por pessoas de diferentes cantos, várias culturas, muitas experiências e, pelo menos se espera, com vontade de chegar um pouco mais longe na vida. Assim, na fala do professor, na biblioteca, no trabalho em grupo de dez pessoas ou no café com pão-de-queijo, as pessoas oferecem um pouco de si, transmitem a outras parte do que são e talvez terminem de formar suas personalidades.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Isso porque ainda não foi mencionada aqui a melhor parte: conhecer pessoas. Todo mundo conhece grandes amigos e amores entre livros, provas e calouradas.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E é por essas e outras que eu fiquei feliz quando descobri que a universidade pertinho da minha casa tem uma academia aberta à comunidade. Já estava mesmo à procura de uma, para não ficar no sedentarismo total, e essa, além de preço bastante acessível, me permitiria estar outra vez próximo ao universo do saber. Eu andava meio afastado desse mundo desde que concluí a pós-graduação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Agora lá estou eu, a me exercitar e dividir halteres com jovens universitários, professores e servidores. Sempre dou uma olhada no quadro de avisos para me inteirar do que acontece no dia-a-dia dos acadêmicos. É aquilo: seminários, palestras, torneios esportivos. Tudo nos conformes e eu me sentindo realizado, sou de novo um deles. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Fora que eu achava que eu me passava perfeitamente por um dos graduandos. A sensação era muito boa, tipo uma juventude estendida.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Até uma manhã em que, saindo da academia, fui interpelado por um sujeito. Ele me abordou na reta, de forma bem natural. Eu de luvinhas nas mãos, regata e rosto suado. Fui questionado:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Opa! Você é professor de Geografia?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu? De Geografia, cara? Não, não sou. Nem de Geografia nem de nada. Talvez um dia possa até ser. Mas não sou. Nem tenho cara de professor, sai fora. O lance é que eu voltei para casa chateado, não estava preparado para isso. Acho que vou procurar outra academia.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-25369916431623411872013-05-21T23:20:00.000-03:002013-05-22T00:46:24.091-03:00Porta-retratos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWU39oNBhM5rl1QT_8stofSxsMmOJWdWNMu-cbuVDsl_ni2TdigzKkcflS6wrqD_EkTjWRUjy3gFzYemzuiIZjWaODdxkXVHRFqQEn2vX7WxZmaI_BZfRl7OBaHwA-D7wayTDYwubp7uE/s1600/Memories.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWU39oNBhM5rl1QT_8stofSxsMmOJWdWNMu-cbuVDsl_ni2TdigzKkcflS6wrqD_EkTjWRUjy3gFzYemzuiIZjWaODdxkXVHRFqQEn2vX7WxZmaI_BZfRl7OBaHwA-D7wayTDYwubp7uE/s320/Memories.jpg" width="227" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
Por um motivo qualquer, aquela gaveta precisou ser reaberta, depois de sabe-se lá quanto tempo. Dentro, documentos antigos, alguns comprovantes de pagamento já apagados, certificados de garantia de equipamentos eletrônicos que ele já não tinha mais e uma chave que ninguém se lembraria de que fechadura poderia ser. Em meio aos restos de passado esquecido, um álbum de fotos.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Por fora, o álbum não tinha qualquer identificação do que arquivava, apenas a logomarca colorida da loja onde as fotos foram impressas. Por dentro, guardava as últimas lembranças físicas ainda existentes dos momentos deles. Quando ainda existia esse plural. Desde que o relacionamento pereceu de vez, as imagens deles juntos foram condenadas ao ostracismo do fundo da gaveta.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Ele não quis se render à saudade que os registros lhe trouxeram. Tentou fechar logo o álbum, mas foi inevitável se permitir a uma rápida olhadela pela sequência de imagens. Impossível não sorrir involuntariamente ao ver o tamanho do riso dela, foto após foto. A cabeça dela encostada à sua, as mãos dadas. Viagens, eventos de todo tipo, amigos em comum. Em poucos segundos de nostalgia, alguns anos de bons momentos à tona.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Preferiu não tirar as fotografias do plástico. Sabia que os versos de algumas delas guardavam recados à mão e o simples contato visual com a letra dela poderia suscitar antigos sentimentos, já aparentemente sedimentados. Fechou, ao som de um suspiro profundo. Sobriamente, desfez-se do álbum. Definitivamente.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Seria simples assim, se a memória não fosse o mais perfeito, e mais cruel, dos porta-retratos.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-7581761036768326412013-05-09T17:52:00.000-03:002013-09-24T23:35:11.700-03:00Você quer, você pode<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpZnw-dVPs5z8OzHUNDYZc8F1Vd_reXIYodJQ083BxoGAGhadyA14a-JRTsQfN1RhdJ55DM1s0yrRd9XIT_ootpnzK3IZqgv6MPM_haZVqkRXUtC0NdUAK2D2kEVZQz2_IIoIdwFUcO-E/s1600/motivacao.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="227" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgpZnw-dVPs5z8OzHUNDYZc8F1Vd_reXIYodJQ083BxoGAGhadyA14a-JRTsQfN1RhdJ55DM1s0yrRd9XIT_ootpnzK3IZqgv6MPM_haZVqkRXUtC0NdUAK2D2kEVZQz2_IIoIdwFUcO-E/s320/motivacao.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
A trajetória de vida é a soma dos desafios encarados ao longo dela. E não faltam provações – no trabalho, nos relacionamentos, no processo de aceitação dos limites do próprio corpo. Já há algum tempo dizem que o fator-chave para a superação de obstáculos é a tão aclamada motivação.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Algumas pessoas buscam inspiração em grandes casos de sucesso. Outras se apegam à fé e creem ser ela o caminho incontestável na busca de forças para atingir suas metas. Há quem procure aconselhamento profissional. O fato é que é importante acreditar que é possível ir além, vencer mais uma etapa, subir mais um degrau.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Você, que não consegue passar no vestibular, ainda pode, por exemplo, ser doutor em Harvard. Por que não? Talvez seja só persistir, estudar mais. Você, que não consegue sequer um estágio por ter um currículo vazio, ainda pode se sentar na cadeira de diretor-presidente de uma multinacional. Só o tempo dirá. Você, que não sabe dominar uma bola, pode bater o recorde de Bolas de Ouro do Messi, se não desistir de treinar. Você, que nunca entendeu a diferença entre os quatro porquês, um dia pode ser assessor do Professor Pasquale. O método de aprendizado é que pode estar equivocado. Você, que não pega ninguém desde que a música do Carnaval era “Foge, foge, Mulher Maravilha”, pode em breve engatar um namoro com aquela sua amiga gata que todo mundo sabe que você é apaixonado. As coisas mudam. Você, que luta contra a balança há meses, pode receber um assobio na praia no próximo verão, se não abandonar as atividades físicas e a alimentação saudável. Você, que apanha até da namorada, pode ser o grande astro do UFC 254. Quem sabe você só ainda não encontrou o treinador certo?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A motivação máxima pode vir do treinador, especialista em descobrir talentos. De um professor experiente. De uma consagrada equipe de especialistas em gestão de pessoas e recolocação profissional; eles podem mudar o rumo de carreiras. Ou até daquele amigo gente boa que curte todas suas postagens na rede social quando percebe que ninguém vai fazer isso. Talvez toda empresa devesse ter alguém com esta exclusiva função: motivar. Levantar o astral, fazer crer que é possível. Ou devesse contratar, por uns dias que seja, uma velhinha que malha na mesma academia que eu, que, um dia desses, quando viu uma moça vindo sorridente em sua direção para cumprimentá-la, apertou as sobrancelhas, abriu a boca e soltou, em alto e bom som, sem absolutamente alguma discrição, para quem quisesse ouvir:</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
- Nossa, menina, e essa barriga aí, vai perder ou não?</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Eu duvido que a tal jovem não tenha ao menos dobrado a quantidade de abdominais desde aquela manhã.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-47322420990939350172013-04-29T21:52:00.001-03:002013-04-30T10:43:47.109-03:00Sem moderação<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPPCJjdsmcvWqUgpAW1-nj11YdA9M46t-67_V7put3JEwZqRQpfVXcfjb7-wL8TMUs6G81-mduCqMUWay23P5nf3t1DW5kHDnL1cXfwWw6XtVd8Em4QtJ3UE0WZ-6hG3qAgoWx9ls94R0/s1600/arma.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPPCJjdsmcvWqUgpAW1-nj11YdA9M46t-67_V7put3JEwZqRQpfVXcfjb7-wL8TMUs6G81-mduCqMUWay23P5nf3t1DW5kHDnL1cXfwWw6XtVd8Em4QtJ3UE0WZ-6hG3qAgoWx9ls94R0/s1600/arma.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div style="text-align: justify;">
Recentemente adicionei mais uma experiência inédita ao livro da minha vida: presenciar um assalto, de perto. Bem perto, aliás. Após escolher cuidadosamente das prateleiras do supermercado potes de palmito e azeitona para degustar em casa nas quartas-feiras de futebol, eu aguardava pacientemente minha vez de pagar as compras. À minha frente, duas mulheres passavam seus produtos no caixa, eu seria o próximo. Eis que entram dois rapazes aos berros anunciando um assalto e na mão de um deles o que meu pouco conhecimento policial identificou como sendo um revólver 38. Pelos tamanhos e portes dos caras, eram menores.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
A situação é meio inquietante, não tem como não ser. O sujeitinho com a arma, um pequeno jovem de boné, gritava que daria “tiros na cara de todo mundo”. Eu sabia que era um blefe, estava explícito, mas não custava nada eu ficar quieto. Ele abriu a gaveta do caixa e encheu a mão, embora depois eu ficasse sabendo que a soma beirava os R$ 30 – eram só notas pequenas. Depois, o assaltante inexperiente rumou para o setor de bebidas, onde se apossou de duas garrafas de Big Apple, enquanto o comparsa, este de capacete na cabeça, tomava conta do caixa e dos clientes. Uma das mulheres que pagava a conta quando eles chegaram respirava ofegantemente – pensei até que chorava – e o ladrão com capacete a tranquilizava, indicando que não haveria maiores danos aos clientes.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
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Quando as coisas se acalmavam, apareceu um terceiro meliante, também com traços jovens, que deveria estar esperando à porta. Entrou e ordenou à mulher que se desesperava que o entregasse o celular. Eu, a um metro dela, previ que o meu seguiria o mesmo caminho e involuntariamente pus a mão no bolso para entregar o aparelho assim que ele gentilmente me solicitasse. Mas ele olhou para mim e não disse nada; eu tirei a mão do bolso e olhei para o lado, com total cara de desentendido. Não pediu, não seria eu que ofereceria.</div>
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Só que ele se virou para a outra mulher e gritou pela aliança dela, que atendeu prontamente. Fiquei com dó, poderia gerar um problema conjugal desnecessário. Aí eu tive certeza de que eu seria o próximo saqueado. Eu, com óculos escuros na cabeça, cordão e pulseira de prata, celular e carteira nos bolsos. O assaltante me fitou e aí que eu me virei mesmo para o fundo do supermercado com olhar vazio, como se ainda não tivesse percebido o que se passava. O meliante esboçou um passo em minha direção, mas talvez tenha me achado tão sonso que resolveu me deixar pra lá. Resultado: todos os pertences intactos comigo.</div>
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O mais nervosinho, dono do revólver, ainda pegou dois uísques, eles saíram correndo e entraram em um carro que os aguardava à porta. Sumiram no mundo. Um absurdo. Como eu disse, eram menores. Com garrafas de bebida alcóolica e um carro. É revoltante. A não ser, claro, que um deles seja o motorista da rodada e esperem o último da turma fazer 18 anos para abrirem as garrafas.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-43497612952074039982013-03-03T16:15:00.000-03:002013-03-03T16:30:40.952-03:00Dia de Wayne<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEij6r09fKuvacL1h7Q5IqfS2z8NAH1Xeux3UfhQeyV6sq7i9OESWfTQcxPvnFYE36_ySUBOflgawtUbZ3RiotyiO3fPKkJKp78-CP2HRJFtegszZ6ONl68zNzqMjryRQtKzTkNUp60E6aw/s1600/detetive.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="261" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEij6r09fKuvacL1h7Q5IqfS2z8NAH1Xeux3UfhQeyV6sq7i9OESWfTQcxPvnFYE36_ySUBOflgawtUbZ3RiotyiO3fPKkJKp78-CP2HRJFtegszZ6ONl68zNzqMjryRQtKzTkNUp60E6aw/s320/detetive.jpg" width="320" /></a></div>
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Era noite de terça-feira e o grupo de amigos jogava conversa fora, tomava cerveja e comia algum prato típico na casa de um deles. O jantar estava bom e a cerveja em vias de congelar. Os mais cansados já começavam a voltar aos seus lares. Até que uma ligação mudou o rumo da noite. E poderia ter mudado, pra sempre, a vida de alguns deles.</div>
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Uma das moças, que dividia apartamento com uma amiga, já tinha deixado a reunião. A outra ficou, se permitiu mais um ou outro copo. E foi quando o telefone de uma chamou no da outra que o sinal de alerta máximo foi ligado. Ao chegar ao doce lar, sozinha, ela se deparou com a nada agradável surpresa de ver a porta da frente aberta. Escancaradamente aberta.</div>
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Em pânico, ligou para a amiga. Não sabia se corria à polícia, se pedia abrigo a um vizinho, se entregava a vida à própria sorte e encarava de peito aberto o desconhecido no interior do apartamento. Do outro lado da linha, a orientação era de que esperasse. Uma comitiva de amigos iria ao seu encontro, enfrentar junto a adversidade iminente.</div>
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A tropa era formada pela outra dona da casa e dois amigos, a bordo de um carro emprestado. No caminho, tensão e silêncio. Evitavam se olhar, pareciam prever algo. A moça que tinha sido a primeira a se deparar com o suposto arrombamento do apartamento os esperava no prédio em frente, trêmula. Disse ter visto, há pouco, desafetos rondando a residência. Talvez tivessem sido alucinações.</div>
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Em rápida reunião de estratégia, os dois rapazes decidiram por dispensar a ajuda policial. As moças permaneceram no andar térreo, abraçadas como se fosse a única coisa que pudessem fazer, e eles subiram as escadas a passos firmes para iniciar o trabalho de investigação. De fato, a porta estava aberta.</div>
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Conversando apenas com gestos e olhares para manterem-se imperceptíveis ao possível inimigo, os dois iniciaram o processo de perícia para avaliar a possibilidade de a entrada ter sido arrombada. A discrição da atuação daria inveja aos investigadores da série CSI. Concluíram: não havia danos, a madeira estava no mais perfeito estado. A lingueta da fechadura da chave tetra, no entanto, estava visível: a chave fora girada – observação digna de fazer inveja a Sherlock Holmes e Doutor Watson.</div>
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Assim, seguros, mas sem qualquer equipamento de proteção corporal tal como atua o morcegão Bruce Wayne, os agentes amadores acenderam as luzes e adentraram o apartamento. Enquanto um vistoriava os quartos, sem deixar de conferir qualquer local onde fosse possível um ser humano se esconder, o outro passava um pente fino na cozinha e área de serviço. Anunciaram, orgulhosos, às moradoras: o local estava livre de qualquer perigo. Desde então, as moças os tratam pelo sincero e justo vocativo <i>heróis</i>.</div>
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Talvez a história não tenha tido exatamente esse nível de emoção e testosterona. Nem foi difícil concluir que alguém teve a manha de trancar a chave tetra sem esperar a porta ser completamente fechada e foi embora sem perceber a bobagem. Mas a lição que ficou é a de que vidas correm perigo a todo o tempo. E os olhos dos mais corajosos precisam estar atentos para manter a sociedade segura.</div>
Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4502579787796459401.post-35062745721363551022013-02-25T23:35:00.000-03:002013-03-03T16:23:49.025-03:00O pendurar das chuteiras<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjY4oPgnI7P5mVcWwO8rIKbA6eNERsFv9M_ZDu11IhtXdx64-W59AjSeC4gPt4PzfnFd4wMCnY7tp9W935QEKH_AQCiZUhie4ri6q3jQWfcCWva52_0CMi_3PrVLQme0hVUM9Td5_puDw/s1600/conquistador.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="202" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjY4oPgnI7P5mVcWwO8rIKbA6eNERsFv9M_ZDu11IhtXdx64-W59AjSeC4gPt4PzfnFd4wMCnY7tp9W935QEKH_AQCiZUhie4ri6q3jQWfcCWva52_0CMi_3PrVLQme0hVUM9Td5_puDw/s320/conquistador.jpg" width="320" /></a></div>
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Os tempos mudaram e ele sabia muito bem que já não era mais o mesmo. Nem se quisesse ser. Restavam as histórias da fase Don Juan. Perdeu as contas de quantas mulheres teve para si. Amou muito, amou muitas. Não houve missão a que se tenha se proposto que não tivesse concluído com o mais absoluto nível de sucesso.</div>
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A verdade é que era um apaixonado pela alma feminina. E, tanto quanto, pelos corpos. Usava com maestria a inteligência e fazia do galanteio uma ciência quase exata. Os resultados eram previsíveis e naturalmente alcançados, com que sem maiores esforços. Desde a adolescência, foi conquistador. Sempre sabia o que falar, a quem dizer, o instante ideal de cada palavra, o preciso tom de voz a ser usado e a que distância do ouvido estar. A receita do bote fatal tornara-se, então, infalível. Por anos.</div>
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Até que um dia, em meio a mais um entre tantos processos de conquistas, as coisas saíram dos eixos. Não estava nos planos que fosse ele o fisgado. Não daquela forma. Mas não teve escolhas: foi inevitável ver-se completamente atado a uma sensação boa jamais experimentada. Encerrava-se ali uma das maiores carreiras de sucesso de todos os tempos. Ele entregava, em definitivo, seu coração a quem chamava carinhosamente de <i>Pequena</i> e transformava-se em uma lenda viva.</div>
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Agora não confirmava a antiga fama, apenas sorria um riso de canto discretamente saudosista. Os amigos de outras datas contavam orgulhosos seus feitos nas rodas, mas ele desconversava, mudava de assunto. No máximo, defendia que os tempos eram outros e a sociedade, diferente. Mas no happy hour depois das reuniões de trabalho de quinta-feira, era ele quem escrevia, a pedidos, os bilhetes nos guardanapos que os amigos assinavam e os garçons distribuíam às moças pelas mesas do barzinho. E o índice de sucesso continuava inacreditavelmente alto.</div>
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<br />Ulisses Vasconcelloshttp://www.blogger.com/profile/18052812305833116653noreply@blogger.com1