sexta-feira, 19 de junho de 2009

Saudades de um cara 13

Chegou a sua vez, Denílson.


Todo mundo tem um lugar em que se sente bem, fica à vontade. O de um grupo de amigos era um bar. Mas eles demoraram a conhecer aquele que, depois, se tornaria um ponto de passagem obrigatória antes de todo grande evento. Quis o destino que o estabelecimento fosse visitado pela primeira vez em uma circunstância considerada adversa, por um único membro da turma.

Um dos rapazes já simpatizara com o Bar Esquina de Minas, mesmo jamais tendo nele adentrado e o espaço nunca tendo sido assunto em conversas no seu círculo de amizades. Sentimento vindo de dentro mesmo. Ocorreu que um dia houve uma festa em que todos os amigos do tal sujeito iriam, mas ele negara-se a participar, alegando questões pessoais. Para não ficar por baixo, decidiu comparecer a outra balada, dos formandos da época, acompanhado pelo saudoso Saulo Inácio Cunha, um dos grandes agregados da equipe àquela altura. O misterioso bar foi, enfim, selecionado como o local de encontro antes da festa.

O jovem rebelde – sabe-se lá por que – encantou-se com o espaço. Tomou algumas doses de aguardente, trocou ideias com o proprietário: uma singular figura, alta e magra, talvez já com seus trinta e tantos anos ou mais. Os cabelos negros lisos eram longos, tendendo aos ombros e sua leveza contrastava com a face mal-delineada e as marcas da idade que chegava. Após o bom papo, o universitário, seguiu para sua festa. Antes, porém, perguntou ao homem seu nome e foi, no dia seguinte, confiante, indicar aos amigos o espetacular Bar do Denílson.

Antes da próxima festa, lá estavam então todos eles. Denílson os acolheu de forma exemplar e este dia marcou a gênese de uma amizade verdadeira. Possivelmente o empresário tenha simpatizado com os garotos bebedores por eles destoarem dos demais frequentadores do ambiente – geralmente nativos de Viçosa, mais precisamente do vizinho Morro do Pintinho, mal-encarados, de bigodes e jaquetas, menos dispostos a conversas amistosas e aparentando portar, ilegalmente, armas de fogo prestes a serem sacadas. Vez por outra, os jovens consumidores sentiam-se acuados com a presença dos companheiros de boteco, mas Denílson assegurava-lhes a proteção necessária.

Em questão de tempo, tomaram conta do bar. Aos poucos, apresentaram-no a todos os amigos e fizeram do estabelecimento o local oficial de agrupamento da turma antes das festas. A rotina era basicamente a mesma: escolher um local privilegiado para posicionar a mesa e, enquanto o Denílson buscava a primeira cerveja, os rapazes pegavam as cadeiras. Também eram eles mesmos quem traziam os copos e selecionavam o DVD a ser tocado. Por mais cheio que o bar estivesse, sempre tinham um lugar garantido.

Mas Denílson conquistou os garotos quando estes pediram a ele doses de aguardente com coloração especial. A fórmula, ele que inventasse. O barman com traços de duende serviu-lhes um drink verde-escuro. Havia elaborado a cachaça tropical – possivelmente misto de pinga com menta, de sabor exótico e agradável. Os universitários desafiaram-no, queriam outra receita. Denílson não falhou e apresentou-lhes um composto vermelho-sangue. Os ingredientes da denominada cachaça infernal até hoje são controversos, mas o que fato é que quem dela provou constatou ser drasticamente mais forte que a anterior e com efeito muito mais arrasador no fígado e no cérebro. Por fim, o já escolado alquimista do álcool preparou uma dose branco-meleca, carinhosamente alcunhada de cachaça da paz, de paladar celestial.

Outra atração eram os preparados alimentícios. O torresmo boiando na gordura há semanas, por exemplo, resultava em efeitos colaterais dos mais adversos. Já então no meio da madrugada, os rapazes se lembravam que ali deveria ser apenas o ponto de partida da programação e deixavam o lugar às pressas, geralmente rumo ao Galpão. Era mais uma noite já bem-sucedida.

Tempos depois, uma grata surpresa: ao meio-dia o Bar Esquina de Minas servia pratos-feitos a custo bastante razoável, além de saborosos, bem diferentes das porções noturnas. Alçado à categoria de restaurante, o espaço figurou como opção para almoço, embora haja quem diga, sem fundamento, que a comida tenha muito óleo.

O bar cresceu, passou a ser melhor frequentado, tornou-se ponto de diversas torcidas para assistir jogos do Brasileirão, conhecido do grande público como Bar do Cabelinho. Mas eram aqueles garotos que tinham o privilégio de usufruir do bom papo desconexo do proprietário do espaço quando o encontravam em alguma festa, absurdamente alcoolizado.

Apenas uma coisa ainda intrigava aquela trupe desbravadora. Denílson era o único dos amigos feitos na madrugada a quem eles chamavam pelo nome de batismo, sem um apelidozinho sequer. Culpa do jovem que fora ao estabelecimento pela primeira vez sozinho, perguntou o nome do proprietário e decorou ser o mesmo de um dos atletas da campanha do pentacampeonato do Brasil, em 2002. Até que, numa noite, um dos garotos pediu ao garçom uma cerveja. Ele virou-se para o patrão e gritou: “Edílson, mais uma cerveja na mesa deles”. E o Denílson trouxe, imediatamente. Os rapazes ficaram em estado de choque. Inacreditavelmente, estava tudo perfeito.