quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O meu urso

Imaginemos que é aniversário de um menino e é preciso comprar um presente pra ele. Mas não pensemos em uma criança da modernidade, que naturalmente esperaria por algo eletrônico, como um videogame ou até um tablet. Voltemos quase três décadas no tempo.

Como é um menino, é natural que ganhasse um carrinho ou uma bola. Um boneco de herói, quem sabe. Talvez os menos politicamente corretos o presenteassem com uma espada ou uma arminha. O aniversariante é bem novo, então pode ser um bichinho de pelúcia. Um ursinho! Que tal um com a cabeça cor-de-rosa, focinho branco e narinas rosa, corpo alaranjado, uma orelha verde e outra amarela, uma mão amarela e outra verde (em lados apostos aos da orelha) e um roxo e outro amarelo?

Essa decisão, aparentemente sem a menor sensatez, foi tomada por uma tia minha pouco antes do meu primeiro aniversário. O que ninguém imaginaria é a forma como eu me apegaria àquele estranho ser multicolorido. E ele a mim. O ursinho era o Ursolino, provavelmente batizado pelo meu pai (é a cara dele essa criatividade), inspirado no nome de um personagem de desenho animado que também passava no horário do Pica-Pau.


Enquanto eu descobria o mundo, ele me acompanhava. Quem me conheceu nos já longínquos primeiros anos da minha infância, se acostumou a me ver agarrado ao meu ursinho. Nós nos tornamos inseparáveis. O Ursolino foi meu primeiro, e talvez maior, parceiro de aventuras.


Aos poucos, a pelúcia foi deixando de ser um brinquedo para ser um companheiro natural. Minha irmã nem era nascida e já era dele que eu cuidava.


O Ben 10 da minha época é o He-Man. Meu irmão tinha um castelo de Grayskull que fazia o maior sucesso entre nossos amigos. Tínhamos bonecos de todos os personagens e, para que a gente não brigasse, nós dois tínhamos o do He-Man. Os dois, e boa parte da molecada, tinham espadas, mas acho que só eu no mundo era dono de um urso debaixo do braço que podia ser transformado no Gato Guerreiro.


Eu precisava me alimentar. Tinha até uma mesinha de criança. Nela, almoçávamos eu, meu irmão e, claro, o Ursolino.


Eu cresci. Com o tempo, nós nos separamos e o ursinho acabou indo morar em alguma gaveta com outros brinquedos. No princípio da nossa adolescência, não nos víamos muito, mas eu ainda guardava um carinho grande por ele. Era como um velho amigo.

Até que um dia eu ganhei uma cadelinha, a Paquita. Uma cocker spaniel preta, linda. Fiquei apaixonado com a filhotinha. Ela era muito nova e, à noite, chorava muito. Recorri à gaveta e apresentei o Ursolino a ela; pensei que eles pudessem ser amigos e ele fazer a ela parte do bem que me fez quando eu era um filhote. Mas os instintos da cadela falaram mais alto e, na madrugada, ela o assassinou, com um furo no pescoço, de onde retirou todo o algodão que o preenchia. Acabava ali uma história de longos anos de amizade entre mim e um urso de pelúcia colorido. O meu urso.

O Ursolino se transformou em uma lembrança da infância. Talvez a melhor delas, a que representa o que de mais puro eu vivi. Onde quer que você esteja, velho companheiro, saiba que você sempre será inesquecível. E que a vida de gente grande seria muito melhor se eu ainda pudesse te carregar debaixo do meu braço de vez em quando.

Que no céu das pelúcias você tenha encontrado amigos como nós fomos. E que esteja descansando em paz como a gente fazia no fim de uma tarde de aventuras.