terça-feira, 21 de setembro de 2010

Crônica bancária 3


O visor e o som característico chamam a próxima senha para a mesa de atendimento do banco. Vem um jovem negro, forte, de cavanhaque. Quer abrir uma conta. Seus documentos, por favor.

Rápida conferida.

- Seu nome se pronuncia assim mesmo... Marterflay?! (Como se existisse alguma forma correta de pronunciar isso.)

- É.

- Quem inventou esse nome?

- Minha mãe.

- Como? De onde ela tirou?

- Copiou de um parente. Achou bonito (sei lá, não colou).

(...)

- Pronto, a conta tá aberta. Agora é só você assinar estes papéis aqui pra mim.

- Tá.

Começa a escrever.

- Tem dois erres?

- O quê?

- Meu nome.

- Tem não, Marterflay. Um só. Ainda bem.

sábado, 18 de setembro de 2010

Tratado sobre Maicou


A sociedade é repleta de padrões. O consumo, as vontades e as predileções seguem tendências tradicionalmente impostas e assim formam-se os ideais de perfeição. Até mesmo onde as preferências pessoais mais deveriam se impor, nos relacionamentos afetivos homem-mulher, entende-se que é o senso comum quem dita as ordens. Entretanto, após contundentes diálogos com um amigo, aprendi a desmistificar concepções coletivas, o que discorrerei neste breve ensaio.

Maicou é um grande companheiro, desde os antigos tempos de faculdade. Um cara inteligentíssimo, animado, bem-humorado, só não é um exemplo de beleza grega. Hoje, maduros, nós frequentemente desenvolvemos longas divagações que abordam os mais complexos temas – entre eles, claro, o cotidiano das relações humanas. E foi por meio das experiências pessoais e da história de vida de meu amigo que pude derrubar, uma a uma, antigas teses tomadas como verdade até então.

Quando pré-adolescente e no início da juventude, me lamentava por não ter o dom da habilidade esportiva. Pensava que os rapazes com razoável desempenho em partidas de futebol teriam chances consideravelmente maiores que as minhas no início do trato com o sexo oposto. Esbravejei contra minha falta de intimidade com o gol, culpei meus pais por não terem me matriculado em uma escolinha de futebol quando eu ainda era criança, receei não ser um bom representante da espécie homem brasileiro bom de bola.

Maicou é um excelente jogador, o melhor goleiro que vi atuar. Tem bom domínio, visão de jogo, chuta bem, além de transmitir segurança à equipe quando está embaixo das traves. Titular do time da escola, do curso. Mas Maicou não foi feliz no quesito ser alvo da torcida feminina e não teve um início precoce com o mundo das mulheres como eu poderia imaginar. Não foi procurado por marias-chuteiras sedentas de fama e dinheiro. Segundo ele próprio, porque mais que saber jogar futebol, é preciso também ser bonito.

Nunca me dei bem com a música. Fiz aulas de piano, até esbocei uma apresentação para as mães dos outros alunos da minha professora. Larguei mão enquanto era tempo, não nasci para as partituras. Outro ponto forte que poderia me levar a ser notado pela sociedade foi deixado de lado cedo. Mas Maicou, pelo contrário, é um músico de grande reconhecimento social. Dedilha violão, guitarra, contrabaixo, viola e cavaquinho com maestria e aventura-se com qualquer instrumento que tenha teclas ou possibilite um batuque. Maicou tem banda, toca em bares, anima rodinhas de violão. Seria ele então o típico centro das atenções das mulheres nas noites boêmias? Não exatamente. Porque, segundo ele próprio, mais que músico, para isso é preciso também ser bonito.

Eu escrevo crônicas, arrisco uns contos. Mas não crio poemas, não gosto e não sei lidar com a lírica clássica. E poetas são charmosos, transmitem a intelectualidade necessária para mexer com os instintos íntimos de qualquer fêmea. Outra bola fora para mim. Mas não para Maicou. Maicou é poeta desde a juventude, tem incontáveis textos escritos. E mais: musica poemas, transformando-os em singelas canções de amor. Só que, incoerentemente, as fãs de literatura não batem à sua porta em busca de ouvir, a sussurros, poemas ao pé do ouvido. A explicação, segundo ele próprio, é que mais que a inspiração poética, é a beleza quem fala mais alto.

Minha altura não me incomoda. Sou baixo, mas não anão. Tenho um amigo, do meu tamanho, que diz que a vida dele seria outra se tivesse dez centímetros a mais. Seria mais percebido por onde passasse, faria sucesso em casas de show, alvo de olhares femininos de cobiça. Pode ser. Mas, adivinhem só, Maicou tem mais de dez centímetros a mais do que eu – logo, também a mais que meu amigo – e não é o tipo de homem caçado em boates e bares. Maicou justifica com a afirmação de que, para que os holofotes iluminem um único rosto, mais que atrelado a um corpo grande, é necessário ser delineado por um nível consideravelmente alto de beleza.

E Maicou não é um sujeito rejeitado pelas mulheres. Chega a fazer certo sucesso em determinados núcleos. Mas, sem dúvidas, sua história de vida pode ser usada para derrubar mitos sociais.

As concepções antes previamente aceitas de que mulheres buscam homens altos, músicos, jogadores de futebol ou com o dom da poesia romântica para mim já não são válidas. Com um único exemplo, alcei a conclusão de que ser bonito é sim fundamental. Nem mesmo as ideias de ser rico ou ter carro me fazem desviar do novo raciocínio, construído com base em concreta análise de caso. Inicia-se um novo tempo. Obrigado, Maicou.

domingo, 5 de setembro de 2010

Crônica bancária 2


Na mesa de atendimento ao público do banco, duas irmãs jogam conversa fora enquanto o funcionário pesquisa alguma informação necessária no sistema. Concentrado na tela, ele ouvira, entrando por um ouvido e saindo por outro, que uma delas morava na Itália e o dia de partir para a Europa se aproximava. Até rolava um sotaque meio brasiliano.

Elas aparentam uns trinta e poucos anos. O diálogo continua. A que parece um pouco mais velha fala mais e está bem mais arrumada, cheia de joias. É a que mora fora. Ela mexe na bolsa, tira um aparelho e o põe sobre a mesa. Diz para a irmã:

- Eu vou deixar este celular com você. Quando eu te ligar, aperta esse botão aqui que ele liga a câmera interna e eu vou poder te ver. Quer dizer... nem sei se no Brasil já tem essa tecnologia.

- Acho que tem sim, não sei.

- É muito bom. Só converso com minhas amigas lá na Itália vendo elas. O ruim é quando meu marido me liga e eu tô no motel, que eu tenho que ficar virando a tela pra parede pra ele não ver onde eu tô. Aí é complicado.

Como que por um choque elétrico, a concentração do funcionário desaparece instantaneamente. Uma risada contida de canto de boca ganha força e se transforma em uma gargalhada, daquelas de abaixar a cabeça para aproveitar o riso.

A cliente, claro, percebe e inesperadamente estende o assunto ao bancário.

- Não tô certa? Tenho que tomar cuidado.

Está. Certíssima. Pelo visto, viver no terceiro mundo ainda tem lá suas vantagens.

sábado, 4 de setembro de 2010

Parabéns, Centenário


"Há cem primaveras, cinco operários deram voz aos mais humildes. À uma nação. À tal República Popular do Corinthians. Como uma epidemia, Joaquim Ambrósio, Carlos da Silva, Rafael Perrone, Antônio Pereira e Anselmo Correia se multiplicaram. Tornaram-se joão, maria, rodrigo, fabinho, leozão, cachaça, márcio, renato, celinho, ulisses, fabi e tantos outros. Ilustres ou inominados. Anônimos, nunca. Corintianos! No plural, sempre".

Trecho da coluna Soltando a Bomba, intitulada "Parabéns, Centenário" publicada dia 1º de setembro pelo jornalista Renato Salles no jornal JF Hoje.

É nóis.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

100 vezes Corinthians


Eu esperei a vida inteira pelo dia 1º de setembro de 2010. A expectativa de ver o meu Corinthians chegar aos cem anos sempre foi enorme. Planejei vestir minhas camisas, me enrolar na bandeira, gritar para o mundo que faço parte do bando de loucos.

Planejei escrever o melhor texto sobre o Corinthians da minha vida. Afinal, já foram tantos. Planejei gastar todo meu conhecimento, meus anos de prazerosas pesquisas. Usar a criatividade ao extremo, produzir uma obra pra (minha) história.

Mas não vou fazer isso. Outros tantos o farão. Talvez bem melhor do que eu faria.

Só quero registrar meu orgulho de torcer por esse time. De ser feliz por ter uma coleção de camisas alvinegras. Uma coleção de memórias alvinegras.

Obrigado, meu Corinthians, pelas tantas oportunidades que tive de sair por aí trajado com um dos meus mantos no dia seguinte a um título. E por eu ter certeza absoluta que era vestido de corinthiano que eu deveria sair de casa ao acordar no outro dia da eliminação da Libertadores de 2006. De 2010. Do trágico fim de Brasileiro de 2007.

Obrigado por me fazer, ainda moleque, correr sozinho pela casa de braços abertos gritando “campeão do mundo”. Por ter acompanhado meu time três vezes ser o melhor do país. Por ter contemplado o futebol de Marcelinho, Edilson, Tévez e Ronaldo. Um amor que começou cedo e foi ratificado em 1997 – com um quase rebaixamento. Depois, anos de alegrias.

Não temos Libertadores. Ela ainda virá – e se não vier, sinceramente, não vai mudar nada. O que eu e meus semelhantes queremos, já temos. É a certeza de que sempre teremos nosso Coringão a lutar. Parece que o estádio vem aí – e se não vier, sempre teremos o planeta como palco para a maior exaltação de amor a uma instituição que o mundo já conheceu.

Obrigado, meu Corinthians, por cada grito de gol. Cada clássico inesquecível. Por ser inexplicavelmente diferente. Pelos tantos amigos (e alguns inimigos) que fiz e tantas sensações gostosas graças a esse mágico sentimento de ser 100% Corinthians. Cem vezes Corinthians. Cem anos de Corinthians.