Por um motivo qualquer, aquela gaveta precisou ser reaberta, depois de sabe-se lá quanto tempo. Dentro, documentos antigos, alguns comprovantes de pagamento já apagados, certificados de garantia de equipamentos eletrônicos que ele já não tinha mais e uma chave que ninguém se lembraria de que fechadura poderia ser. Em meio aos restos de passado esquecido, um álbum de fotos.
Por fora, o álbum não tinha qualquer identificação do que arquivava, apenas a logomarca colorida da loja onde as fotos foram impressas. Por dentro, guardava as últimas lembranças físicas ainda existentes dos momentos deles. Quando ainda existia esse plural. Desde que o relacionamento pereceu de vez, as imagens deles juntos foram condenadas ao ostracismo do fundo da gaveta.
Ele não quis se render à saudade que os registros lhe trouxeram. Tentou fechar logo o álbum, mas foi inevitável se permitir a uma rápida olhadela pela sequência de imagens. Impossível não sorrir involuntariamente ao ver o tamanho do riso dela, foto após foto. A cabeça dela encostada à sua, as mãos dadas. Viagens, eventos de todo tipo, amigos em comum. Em poucos segundos de nostalgia, alguns anos de bons momentos à tona.
Preferiu não tirar as fotografias do plástico. Sabia que os versos de algumas delas guardavam recados à mão e o simples contato visual com a letra dela poderia suscitar antigos sentimentos, já aparentemente sedimentados. Fechou, ao som de um suspiro profundo. Sobriamente, desfez-se do álbum. Definitivamente.
Seria simples assim, se a memória não fosse o mais perfeito, e mais cruel, dos porta-retratos.