terça-feira, 21 de maio de 2013

Porta-retratos


Por um motivo qualquer, aquela gaveta precisou ser reaberta, depois de sabe-se lá quanto tempo. Dentro, documentos antigos, alguns comprovantes de pagamento já apagados, certificados de garantia de equipamentos eletrônicos que ele já não tinha mais e uma chave que ninguém se lembraria de que fechadura poderia ser. Em meio aos restos de passado esquecido, um álbum de fotos.

Por fora, o álbum não tinha qualquer identificação do que arquivava, apenas a logomarca colorida da loja onde as fotos foram impressas. Por dentro, guardava as últimas lembranças físicas ainda existentes dos momentos deles. Quando ainda existia esse plural. Desde que o relacionamento pereceu de vez, as imagens deles juntos foram condenadas ao ostracismo do fundo da gaveta.

Ele não quis se render à saudade que os registros lhe trouxeram. Tentou fechar logo o álbum, mas foi inevitável se permitir a uma rápida olhadela pela sequência de imagens. Impossível não sorrir involuntariamente ao ver o tamanho do riso dela, foto após foto. A cabeça dela encostada à sua, as mãos dadas. Viagens, eventos de todo tipo, amigos em comum. Em poucos segundos de nostalgia, alguns anos de bons momentos à tona.

Preferiu não tirar as fotografias do plástico. Sabia que os versos de algumas delas guardavam recados à mão e o simples contato visual com a letra dela poderia suscitar antigos sentimentos, já aparentemente sedimentados. Fechou, ao som de um suspiro profundo. Sobriamente, desfez-se do álbum. Definitivamente.

Seria simples assim, se a memória não fosse o mais perfeito, e mais cruel, dos porta-retratos.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Você quer, você pode


A trajetória de vida é a soma dos desafios encarados ao longo dela. E não faltam provações – no trabalho, nos relacionamentos, no processo de aceitação dos limites do próprio corpo. Já há algum tempo dizem que o fator-chave para a superação de obstáculos é a tão aclamada motivação.

Algumas pessoas buscam inspiração em grandes casos de sucesso. Outras se apegam à fé e creem ser ela o caminho incontestável na busca de forças para atingir suas metas. Há quem procure aconselhamento profissional. O fato é que é importante acreditar que é possível ir além, vencer mais uma etapa, subir mais um degrau.

Você, que não consegue passar no vestibular, ainda pode, por exemplo, ser doutor em Harvard. Por que não? Talvez seja só persistir, estudar mais. Você, que não consegue sequer um estágio por ter um currículo vazio, ainda pode se sentar na cadeira de diretor-presidente de uma multinacional. Só o tempo dirá. Você, que não sabe dominar uma bola, pode bater o recorde de Bolas de Ouro do Messi, se não desistir de treinar. Você, que nunca entendeu a diferença entre os quatro porquês, um dia pode ser assessor do Professor Pasquale. O método de aprendizado é que pode estar equivocado.  Você, que não pega ninguém desde que a música do Carnaval era “Foge, foge, Mulher Maravilha”, pode em breve engatar um namoro com aquela sua amiga gata que todo mundo sabe que você é apaixonado. As coisas mudam. Você, que luta contra a balança há meses, pode receber um assobio na praia no próximo verão, se não abandonar as atividades físicas e a alimentação saudável. Você, que apanha até da namorada, pode ser o grande astro do UFC 254. Quem sabe você só ainda não encontrou o treinador certo?

A motivação máxima pode vir do treinador, especialista em descobrir talentos. De um professor experiente. De uma consagrada equipe de especialistas em gestão de pessoas e recolocação profissional; eles podem mudar o rumo de carreiras. Ou até daquele amigo gente boa que curte todas suas postagens na rede social quando percebe que ninguém vai fazer isso. Talvez toda empresa devesse ter alguém com esta exclusiva função: motivar. Levantar o astral, fazer crer que é possível. Ou devesse contratar, por uns dias que seja, uma velhinha que malha na mesma academia que eu, que, um dia desses, quando viu uma moça vindo sorridente em sua direção para cumprimentá-la, apertou as sobrancelhas, abriu a boca e soltou, em alto e bom som, sem absolutamente alguma discrição, para quem quisesse ouvir:

- Nossa, menina, e essa barriga aí, vai perder ou não?

Eu duvido que a tal jovem não tenha ao menos dobrado a quantidade de abdominais desde aquela manhã.