domingo, 15 de maio de 2016

10, 20, 30 anos


Fim de tarde quente, uma mesa de bar de um calçadão qualquer. Três cadeiras e à frente delas um suco de laranja, uma garrafa de Brahma gelada e uma dose de Jack Daniel’s. Três caras ansiosos pelo papo: uma criança de cabelos lisos, um jovem magrelo com cavanhaque à la Salsicha, do Scooby Doo, e um adulto barbudo se viam frente a frente pela primeira vez naquele dia que era, ao mesmo tempo, 15 de maio de 1996, de 2006 e 2016.

O mais velho fitava os outros dois com sorriso saudoso, tinha se tornado expert em guardar lembranças. Os olhos do mais novo eram curiosidade pura, queria saber mil coisas, não sabia nem por onde começar. O outro era o mais confiante, deu o primeiro gole e começou a falar. Tinham 10, 20 e 30 anos.

Apresentaram-se, como se precisasse. O garoto tinha saído do estado natal há um ano. Mal sabia que voltaria em breve, sairia mais pra frente e voltaria outra vez pra deixar sua terra em definitivo mais tarde. O de 20 anos gozava essa fase da vida com tudo que tinha direito. O de barba vivia as consequências de ter trocado muita coisa pela carreira profissional.

O Ulisses mais novo queria saber o que o esperava, onde estaria, no que se formaria e como ganharia a vida. E se surpreendeu bastante com a resposta, que não tinha nada a ver com a Veterinária. O Ulisses jovem queria saber se aquela história de Jornalismo era mesmo a melhor decisão. Ainda não tinha entendido exatamente de onde tinha vindo essa ideia. O Ulisses mais velho observava, talvez as dúvidas deles ainda fossem as suas.

Puxaram um assunto comum: futebol. Era visível a empolgação do mais novo com o time, paixão que descobrira há pouco tempo. O barbudo saboreou o uísque e garantiu a ele que a euforia ainda aumentaria e não passaria jamais, mas, com o tempo, ele aprenderia a contê-la. Um deles idolatrava o Marcelinho, o outro era fã do Tévez e o terceiro tinha, além destes, uma legião de nomes como seus heróis. A Libertadores viria, era questão de tempo, adiantou.

A criança perguntou quando teria um cachorro. O jovem respondeu, falou da cocker e do poodle, e acrescentou sobre sua criação de roedores. O adulto os surpreendeu quando contou da calopsita. Aquela realidade paralela parecia convergir décadas só para provar que as coisas não mudam tanto assim.

O do cavanhaque se gabou contando as aventuras universitárias. Sua cerveja já estava no fim, pediu outra. Revelou acreditar que estava no auge da boa vida e que nunca mais seria tão feliz ou encontraria um grupo de parceiros como o que tinha. O mais velho concordou, sem hesitação. Que bom que ele era feliz e sabia.

Pensou em adiantar que o jovem não se casaria com a namorada, como afirmava há pouco. Nem com a próxima ou com a seguinte, mas que ele se daria bem com isso. No entanto, não achou justo. Era melhor que ele vivesse suas próprias experiências, se desapontasse quando fosse o caso, mas que se encantasse com tanta gente bacana que ainda cruzaria seu caminho por esse mundão.

O barbudo mostrou a tatuagem e o mais novo achou demais. Não imaginava que um dia teria essa coragem. O mais velho contou das viagens e da coleção de experiências por aí. Os outros se interessaram, ainda não sabiam que guardavam dentro deles uma veia de explorador do planeta. Era impossível explicar a eles o que se sente num por do sol no deserto de Uyuni, no mar de Cancun, nas ladeiras de Diamantina, embaixo da Torre Eiffel, em frente às Cataratas, nas ruas de Amsterdã, numa lagoa em Jericoacoara ou na montanha em Machu Picchu. Chegaria a vez deles, felizmente. O jovem se animou.

Um único conselho aos mais novos: que aproveitassem melhor o convívio com os pais e os irmãos. Um dia isso faria muita falta.

O papo fluía e os três concordavam: no fundo, eram mesmo exatamente iguais. A confirmação da tese veio quando o Ulisses de 30 anos confessou que ainda não tinha assistido nada que o encantasse mais que O Rei Leão e contou do boneco do Donkey Kong na estante da sala do apartamento. 

Talvez não fosse só naquele devaneio que o tempo não passava. E talvez lá dentro eles sempre se orgulhassem uns dos outros.

Ergueram um brinde. O jovem arriscou um gole do uísque para acompanhar. Achou horrível, aquilo ainda não era para ele.






Na mesa ao lado, um jovem senhor de cabelos quase grisalhos e manchas brancas na barba bebia água de coco e ouvia a conversa com particular interesse. Seu calendário marcava 15 de maio de 2026. Também achava O Rei Leão insuperável.