sexta-feira, 13 de maio de 2011

Masculino


Ele adorava aquela casa noturna. Além da música boa, o ambiente em si já valia a pena. O tom da meia-luz, a decoração cuidadosa, o atendimento dos funcionários e o volume da música (alto na medida certa, sem interferir nas conversas das rodas de amigos e casais) formavam um conjunto harmonicamente perfeito. Era um lugar diferente, sem se forçar a ser alternativo demais, e frequentado por pessoas bacanas. Vira e mexe, ele aparecia por lá.

Com o tempo, criou uma admiração pelo local. Dessas de sempre elogiar, de brincar de dizer que um dia ainda trabalharia lá. Orgulhava-se de afirmar que presenciara todas as boas histórias acontecidas nos dois andares da casa nos últimos anos. Até que, quem diria, foi o protagonista de uma.

Ainda no começo de uma noite de bom público, ele foi ao banheiro. Parou por um instante no espaço que divide o ambiente masculino e o feminino, onde fica afixado um quadro com a programação do mês da casa e decidiu em quais dias estaria presente – praticamente todos. Naturalmente caminhou para a porta com o M pintado, distanciando-se da com um F. Normal, seguiu-se a balada.

Mais tarde, sob efeito de algumas cervejas, teve vontade outra vez de ir ao sanitário. Como a fila estava razoavelmente grande, foi aonde, embora já tivesse estado, não ia com frequência: o banheiro do segundo andar. Com uma long neck na mão e viajando ao som de uma boa banda que tocava um clássico do rock internacional, entrou, parou em frente à latrina e ali aliviou a bexiga, com a porta despreocupadamente aberta. Ao terminar, virou-se de costas e viu duas moças – uma com batom e outra com maquiagem nas mãos – em frente ao espelho, com olhos arregalados e semblante de espanto. Para piorar, a porta de acesso ao vaso ao lado foi aberta e de lá saiu outra mulher, que soltou um gritinho fino quando o notou.

Sem processar direito o que acontecia, mas sem ter outra escolha, caminhou rápido para deixar o banheiro, ainda tendo tempo de topar com uma quarta mulher, que lá entrava e parou ao vê-lo, dando um passo para trás. Andou até a porta e lá notou o mesmo M, igual ao do andar debaixo. Algo não se encaixava. Então deu meia volta e avistou o outro sanitário, com um H em destaque na entrada. Fora traído pelos sinônimos.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A hora certa


Estava tudo dando certo. Eu e ela num barzinho legal, comida gostosa, cerveja gelada, papo agradável e umas risadas – do jeito que eu planejei. Perfeito para a primeira vez em que saíamos juntos. Desde que eu a conheci, a achei diferente, me interessei. Temos um amigo em comum, que, tão logo nos apresentou, soube como o jeitinho dela me encantou. Foi em uma situação do dia-a-dia, meio rápido, quase só um “oi” e “qual o seu nome?”, mas o suficiente para que eu ficasse com sorrisinho bobo e me decidisse a buscar mais informações sobre ela.

A breve investigação terminou da melhor maneira possível. Descobri que ela tinha um nível cultural bacana, estudava e trabalhava, não era de dar vexames por aí, era fã da mesma banda que eu e, o principal, estava solteira há um tempo. Quando a vi pela segunda vez, andando com uma amiga pela rua, meu coração disparou e só consegui esboçar um cumprimento formal, meio sem jeito. Ela riu e continuou a caminhada e eu parei a minha, observando o quão doce era aquele andar. Tive certeza de que a gente se daria muito bem.

Criei coragem, procurei a garota e a adicionei numa dessas redes sociais, mandando um recadinho simpático. Ela respondeu e eu escrevi outra vez qualquer coisa. Pronto, em questão de semanas, já nos falávamos quase diariamente pela internet e eu já tinha o número do celular dela. Pensei mil vezes antes de escrever o primeiro SMS quando vi algo que me lembrou ela. Foram torturantes três minutos de angústia até eu receber a resposta, dizendo que ela havia adorado a associação. Foi a deixa para, mais tarde, convidá-la para sair comigo.

Escolhi um bar que achei tudo a ver com a ocasião – área nobre da cidade, bem frequentado. Busquei-a em casa, elogiei a roupa e o cabelo. Sentamos lado a lado, em uma mesa mais ao fundo, longe da luz principal. A porção não demorou a chegar, bebíamos a quarta garrafa de cerveja, já havíamos contado nossas vidas, falado bem da nossa banda preferida e mal dos nossos chefes. Ríamos muito. Foi quando eu decidi que aquela era a hora certa: puxei a cadeira dela para mais perto da minha. Nesse simples gesto, pensava dar um grande passo no início de um relacionamento duradouro. Elevar a intimidade do casal. Sentir mais forte o cheiro e a respiração. Quem sabe adiantar o primeiro beijo, guardado para a despedida da noite. E, talvez por considerar tão significativa aquela literal aproximação, puxei com força demais. Ela caiu. De costas no chão.

O barulho espatifado roubou a atenção de todos à volta. Sem graça, ela não sabia se ria ou chorava, se tentava levantar-se ou se ficava por ali mesmo para não passar ainda mais vergonha em pé, aos olhos do bar. Eu, em estado de choque, não consegui me mexer. Abaixei a cabeça sobre a mesa e, em um segundo, fiquei rosa, vermelho, lilás e roxo, em rápida mudança de coloração que acusa ao indivíduo ter exata ciência do tamanho da besteira recém-feita. Um cara da mesa ao lado, que tomava cerveja tranquilo com dois amigos, ajudou a moça a se por de pé. Ainda o ouvi perguntando a ela se estava tudo bem. Claro que estava tudo péssimo.

Pedi a conta e pedi desculpas. Um monte de desculpas. Ela disse que estava tudo bem, para eu não me preocupar. Fomos embora e o caminho até a casa dela presenciou o mais constrangedor dos silêncios. Um “tchau, a gente se vê”, “é”, foi o último diálogo da noite. No outro dia, ela já não era mais amiga na rede social e nunca respondeu minha mensagem no celular perguntando se ainda estava brava comigo. E eu, eu ainda acho que tinha tudo para dar certo.





Sim, eu era o cara da mesa ao lado. Só que com um pouquinho de imaginação.