De cabeça baixa, Edgard refletia a decisão que acabara de tomar. A sala vazia e em silêncio dava a impressão de que estava sozinho no mundo, distante de todos. O som do choro baixinho de Denise vindo do quarto tornava a situação muito mais cruel. Ele sabia que não seria fácil terminar um relacionamento tão longo e não foi. Mas precisava por fim a uma situação que se arrastava, já não era mais a mesma coisa. Precisavam de um tempo sozinhos. Depois de deixar cair muitas lágrimas, Denise resolveu que, se fosse para terminarem, que não existissem mais memórias do namoro. E decidiu devolver todos os presentes que ganhara dele nos últimos sete anos.
Eles se conheceram quando faziam cursinho pré-vestibular, eram da mesma sala. E, um dia após o primeiro beijo, na casa dela numa tarde de estudos de Física, foram passear no shopping. O Edgard conseguiu um ursinho, muito feio por sinal, numa dessas máquinas de bichinhos, com garrinha de metal, que quase ninguém ganha. Deu-o à ainda melhor amiga e ela adorou a mascote. No primeiro mês de namoro, outro ursinho de presente, esse sim bonito.
Foi assim durante os anos. Aniversário de namoro, aniversário dela, Natal, aprovação no vestibular e formatura, tudo era motivo pra mais uma pelúcia. Os primeiros ficavam em cima da cama, depois ganharam também a escrivaninha e, com o tempo, as três prateleiras já não eram mais suficientes para acomodá-los. E o que começou com ursos, cachorrinhos e sapos, agora era uma coleção com macaco, coala, golfinho, girafa, hipopótamo, hiena, gaivota, lhama, mamute, ornitorrinco, Pateta, Margarida, Yoshi, Bidu e toda infinidade de personagens infantis e variedades que a fauna pode oferecer.
Os passos de Denise quebraram o silêncio, aumentando o ritmo rumo à porta do quarto. Ela surgiu aos olhos dele, com o rosto vermelho e inchado e com dezenas de animais de pelúcia nas mãos e braços e um tigre branco pendurado pela cauda na boca. O Edgard ficou atônito, embasbacado. O susto foi grande, quase do tamanho da vontade de rir ao ver a agora ex-namorada escondida embaixo de um mundo de pelos. Levantou-se rápido, tentou dizer que ela estava se precipitando, que os presentes deveriam ficar com ela, mas Denise não ouviu, largou tudo sobre o sofá e voltou para o quarto para a segunda viagem. E em instantes apareceu carregando o panda gigante presente de cinco anos de namoro – maior que ela. E, num vai-e-vem de vaquinha, leão e arara-azul, o quarto de Denise ficou vazio. Ela olhou para ele pela última vez, secou uma lágrima e bateu a porta do quarto.
Enquanto Edgard carregava os bichos para o carro, lembrava-se da história de cada um deles, emocionado. O gato Mingau do primeiro aniversário dela juntos, o porquinho do Natal. A galinha d’Angola de quando ela conseguiu o primeiro estágio e a zebra pela aprovação em Cálculo II. O avestruz de quando ele ficou fora uns meses no intercâmbio. O texugo porque ele simplesmente achou um bicho com o nome engraçado. Enfim, porta-malas lotado e bancos traseiros com mais espécies animais do que a arca de Noé. O panda grandão no banco do carona. Com cinto de segurança e tudo.
Quando o Edgard chegou em casa, pediu ajuda à irmã para organizar as pelúcias que, a contragosto, trouxera da casa da Denise. Ofereceu-os a ela, que não teve coragem de aceitar. Eles ajeitaram os bichos pelo chão do quarto do rapaz. E ele acabou pegando no sono sentado, ao lado deles.
Mas poucos dias longe de Denise foram suficientes para o Edgard ter certeza de que era dela mesmo que ele gostava. Pensativo, voltou correndo do trabalho para casa e olhou cada um dos bichos, um por um, como quem procura por algo precioso. Quando terminou, sorriu. Quis ligar para a Denise e pedir para reatar o namoro. Falar que à tarde devolveria todos os animais e que, da casa dela, só sairiam para o apê deles, que já começaria a ser montado. Com um quarto só para as pelúcias. Mas manteve-se calmo para não tomar decisões precipitadas.
No fundo, tinha certeza de que ela aceitaria. O ursinho feioso não tinha sido devolvido.