Enfim, o Antônio aceitou sair com o pessoal da empresa. Depois de meses sendo convidado para os happy hours e só agradecendo, ele disse que iria à comemoração do aniversário do Couto, na terça-feira, em um bar novo na cidade. Os colegas brincaram que teriam duas festas em uma – a do aniversariante e a presença, inédita, do Antônio. O fato é que, desde que o casamento dele terminara, tornou-se um cara caseiro. Era adverso a festas e badalações. O Couto era mesmo um cara super gente fina e amigo de todo mundo, mas a ida do Antônio ao bar poderia significar, para quem convivia com ele, um princípio de mudança de atitude.
O Antônio casou-se cedo, com uma amiga da faculdade. O matrimônio não deu certo e, aos trinta anos, estava solteiro de novo, mas sem o menor pique. Passou a dedicar todo o seu tempo livre a um único passatempo: assistir futebol na tevê. Na verdade, embora não admitisse, ele era um camisa nove frustrado. Um jovem goleador, campeão de todos os torneios amadores da região, que não teve chance de seguir como profissional por conta de uma lesão no joelho esquerdo durante um teste. Trocou os gramados pela nostalgia, diziam.
Ele sabia de cor a classificação dos campeonatos. E tinha as tabelas na ponta da língua. Assinou canais por assinatura e acompanhava todas as ligas exibidas. Quando não era horário de jogos, Antônio divertia-se assistindo a antigos clássicos pela internet. Fazia pipoca e tudo. Meia dúzia de long necks para as semifinais da Copa de 54. Pizza no forno para a primeira rodada da Copa da Holanda ao vivo. Um pacote grande de Doritos por um bom Ba-Vi.
Agora lá estava o Antônio no bar, em plena terça, com os colegas. O espaço era novo para todo mundo, recém-inaugurado. Eles juntaram algumas mesas, pediram cervejas e uns petiscos. O pessoal se divertia contando casos engraçados com clientes. Papo vai papo vem, o Antônio mirou uma mesa do outro lado do bar, se surpreendeu e fixou o olhar. Nela, uma mulher bonita, atraente, trajada com um belo vestido e com longos cabelos pretos cacheados sobre os ombros. Pernas cruzadas. Sozinha. Ele a observou por alguns segundos. Na certa, esperava por alguém.
A partir de então, Antônio não conseguiu prestar atenção em mais conversa alguma. Todo o bar foi sumariamente ofuscado pela beleza da morena dos cachos. Ainda sozinha. Apenas uma taça de vinho na mesa. Ele percebeu traços de impaciência no comportamento dela. Olhava fixamente para um ponto, fora do campo de visão dele, bloqueado por uma pilastra. Balançava as pernas num ritmo constante de inquietude. Chegou a morder o lábio inferior mais de uma vez. Definitivamente, ela estava tensa.
Os minutos passavam, o papo na mesa já era a última festa da empresa e o Antônio estava cada vez mais longe do assunto e do cotidiano corporativo. A mulher continuava só, com o corpo inerte e a face voltada a um canto do bar onde impiedosamente o olhar dele não alcançava. Curiosidade fatal. Ele teve a impressão de tê-la visto balbuciar, baixinho, um palavrão. E, estranhamente, assim ela pareceu ainda mais charmosa.
De súbito, a bela se levantou. Como quem tinha a plena certeza de que aquela era a hora de partir. Pagou a conta no caixa e deixou o bar, sem perceber qualquer outro freguês, mas a tempo de passar ao lado da mesa de Antônio e permitir que ele sentisse seu leve perfume. O rapaz não resistiu, foi até a mesa em que ela estava para conferir o que a mulher mirava com tamanho interesse. Surpreso, riu para ele mesmo. Uma televisão exibia uma tela dividida entre um repórter entrevistando um jogador de futebol ainda no campo após uma partida imediatamente terminada e a classificação da Série B do Brasileirão. Ela era só uma torcedora apaixonada. E talvez ele tivesse encontrado sua alma gêmea.
No sábado teria jogo de novo. E ele estaria lá outra vez.