Ela estava a postos há algumas semanas, mas ninguém tinha precisado dela ainda. Ela não desanimava, acreditava que seria útil em breve. Fazia planos para um trabalho bem feito e não decepcionar. A vida no interior da impressora não era fácil, mas aquela folha A4, a última da bandeja, tentava ver as coisas de uma forma positiva.
O problema é que a história sempre se repetia: ela esperava pacientemente a vez de subir, conhecer o toner e ganhar o mundo, grafada de letras ou quem sabe uma bela imagem, mas a gaveta era carregada com mais papel e a folha solitária continuava no fundo. A impressora era a única da repartição, muito usada, e a gerência havia disseminado a cultura da solidariedade corporativa, que instruía os empregados a não esperar que outro tome pequenas atitudes que poderiam melhorar o trabalho de todos – como encher a impressora de folhas.
No começo, a folha aproveitava para trocar ideias com as novas companheiras de bandeja e fazer amizades. Mas, com o tempo, tornou-se amarga. Via outros papéis acabarem de ser colocados na gaveta e, instantes depois, ganharem o mundo. Não conseguia mais aceitar a injustiça da situação. Calou-se.
Até que surgiu a oportunidade de ser impressa. A folha ficou radiante, quase não se continha, parecia criança à espera da festa de aniversário. Faltavam apenas quatro papéis. Três. Dois. Ela era a próxima! Minutos de expectativa... e a bandeja foi aberta, carregada com uma resma de 500 A4 e ela continuou no fundo. Os sonhos de receber um jato de tinta com versos de Camões ou a conclusão de um trabalho científico deram lugar ao ódio no coração. Ao sentimento de vingança.
Passaram-se mais semanas até a folha ter outra oportunidade de deixar a gaveta. E da próxima vez deu certo. Mas ela não queria mais. Pôs em prática a vingança arquitetada durante dias e noites. Quando foi puxada, entrou na impressora e empacou, antes de receber a tinta. Travou o equipamento, que ficou parado por toda a tarde. A repartição não pôde imprimir mais nada e a rotina de trabalho foi completamente modificada. Chamaram os técnicos, que só apareceram dois dias depois. Dias de caos. E a impressora nunca mais parou de dar problema. Mesmo dilacerada, aquela folha ria em silêncio. Vingara-se dos inúteis que não tinham dado a ela o valor que merecia.
Dizem que assim surgiram impressões chulas que terminam com “a quatro”.