Era pra ser um texto grande. Os parágrafos deveriam começar com verbos no passado, caminhar a passos lentos até os do presente e terminar com o mais longínquo tempo futuro. Com o recheio de uma gama infinita de adjetivos, que caracterizassem a força positiva de cada momento cuidadosamente descrito. Os parágrafos contariam coisas boas, de se fazer emocionar. Mas não foi assim.
O texto tinha tudo pra ser o mais bonito do mundo. Seria daqueles que dá orgulho a quem escreve e faz quem lê suspirar. Suspirar mais de uma vez e pensar, pensar muito. Daqueles que dá vontade de ler de novo, copiar no papel, de salvar no computador. Que desse vontade de decorar até! Linhas não tão longas, só o suficiente pra dizer absolutamente tudo, com a importância que cada instante merecesse, do primeiro deles ao infinito. Que nada ficasse de fora. É, mas não foi assim.
As palavras, à medida que lidas, apertariam forte o mais gélido dos corações. Sem dúvida, o coração bateria mais rápido. Bateria sim. A sequência de letras, a registrar uma sequência de atos, seria de umedecer as pálpebras mais secas e deixar escapar, no mínimo, uma lágrima dos olhos de quem a lesse. Olhos semiabertos ou recém-fechados. É provável que algumas lágrimas mais. O texto contaria uma história única e, até então, sem fim.
As linhas poderiam se encaixar no desenrolar de algumas vidas. Mas o texto seria criado de só uma vida para apenas outra, bem específica. De um par de mãos para outro corpo inteiro. E uma alma. De um passado para um futuro.
Só que o texto nunca existiu. Ele não foi escrito. Talvez se tenha esboçado um título ou até uma introdução. O lápis pode ter quebrado a ponta ou a caneta vazado antes do último parágrafo. Nunca existiu, o texto nunca foi escrito. Nem lido. Mas o lugar então reservado a ele na folha de papel permaneceu sempre dele. Vazio.