terça-feira, 18 de setembro de 2012

As you are


A vida é preenchida por momentos de glória e decepção. O ser humano precisa aprender a conviver com o sucesso e o fracasso. A linha divisória entre o êxito e a falha é das mais tênues e tende para um dos lados de acordo com o resultado das provas que o universo oferece todo o tempo. Foi mais ou menos o que aconteceu comigo há dez longos anos e creio só agora estar disposto a tocar no assunto abertamente.

Eu havia me mudado de cidade, mais uma vez, há pouco. Vivia a situação desagradável de ser o novato em todas as redes de relacionamento e não saber exatamente como andava minha aceitação. Na nova escola, já tinha vivido algumas situações que não me favoreciam. Até que recebi um convite inesperado: uma festinha na casa de cara gente boa da outra sala, então namorado de uma menina que estudava comigo. O surpreendente é que aquela turma era das mais fechadas e diziam que andavam apenas entre eles. Pareciam ter gostado de mim.

Lá fui eu. Um apartamento bacana, com cobertura, música alta, umas bebidas. Perfeito para uma galerinha do ensino médio!  A madrugada chegando e eu aproveitava para estreitar meus fracos laços de amizade e conhecer o pessoal com quem eu ainda não tinha conversado direito.

Seguindo o cerimonial à risca, chegou a hora da rodinha de violão. Todo mundo sentado no chão, perninhas cruzadas e uns pop rocks cantados em conjunto. Convencionou-se então que cada um tocaria uma música e cederia o violão ao colega ao lado, que mandaria mais uma. E a cada fim de canção do Jota Quest, Pearl Jam ou Legião Urbana, o ritual se repetia, outro assumia o posto de líder da roda e eu me questionava se só eu no mundo não sabia dedilhar as cordas do instrumento. Ele se aproximava de mim e eu, em silêncio, pensava a melhor atitude a ser tomada para não sair muito por baixo.

Até que o violão chegou ao meu lado. A música terminou e ele me foi entregue. Eu, fingindo certa naturalidade, o repassei ao próximo. Só que o tal próximo não aceitou, alegando ser a minha vez de chefiar a turma puxando um hit musical. Não havia mais escolhas: abri o jogo, revelei que não sabia tocar. Eles insistiam, reafirmavam que poderia ser qualquer canção. Eu, cabisbaixo, ratificava: não dava mesmo. Aí eu recebi uma indagação que mais soou como uma pá de cal, a machadada final:

– Pô, cara, mas nem Come as you are?

– Não, galera. Nem Come as you are.

Um instante de silêncio, as pessoas se entreolharam. O amigo do lado tomou o violão e tocou qualquer coisa. Depois ainda apareceram com uma guitarra e uma caixa de som e um deles gastou na introdução de Sweet Child o’ Mine, acho que só pra me humilhar. Eu permaneci desolado e a noite perdeu metade da graça que tinha. E até hoje fico meio mal quando ouço Nirvana. Confiro se ninguém vem com um violão na minha direção.

É, Kurt, onde quer que você esteja, fique sabendo que o seu riff me causou uma situação bastante desfavorável. Eu que tenho uma cabeça boa, dei a volta por cima e não pensei em bobagens, tipo um suicídio. Opa, comentário nada pessoal, viu?



4 comentários:

Matheus Espíndola disse...

Sensatez é tudo, jovem Didi.

E tipo assim, mano. Tenta aprender a tocar o "Come as you are".

Cláudia Cavalcanti disse...

Na adolescência a gente experimenta novas sensações, isso nos ensina algo básico: defesa nesta selva, que é a vida.
Aceitação é fundamental nessa fase. Pior que isso, nunca mais a gente esquece os micos que passou, o sofrimento típico dessa fase da vida. Eu tenho muitas histórias pra contar, entre elas a do festival no colégio das freiras. Me ferrei, fiquei sem voz de nervoso e resolvi mexer os lábios, para fingir que cantava. Não enganei ninguém, tomei um monte de cotoveladas de minhas colegas de cantoria. Um fiasco, um dos maiores vexames que experimentei em toda minha vida, o teatro da escola estava lotado! Não pude esquecer e olha que já estou velha...kkk

Adorei seu texto! Aliás, quando a gente consegue escrever sobre o assunto é porque a coisa já está exorcizada. Ainda bem!!!

Um beijo.

ThiagoFC disse...

Cara, no dia que eu tiver acesso a um violão, farei questão de filmar um passo-a-passo da introdução de "Come as you are" com dois dedos.
Se bobear, até um tutorial de "The man who sold the world" (do David Bowie, e que também está presente no acústico do Nirvana).

Depois disso, "seus pobremas, se acabaram-se", como diria o falecido Seu Creysson!

Ulisses Vasconcellos disse...

Isso só me levar a crer que realmente só eu mesmo não sei tocar esse tal Come aí.