quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Momento próprio


Quando deu por si, o vidro já estava marcado próximo à sua boca pela respiração. Não sabia há quanto tempo estava ali, parado, olhando pela janela. Perdeu as contas de quantas ondas já haviam se formado na imensidão azul do outro lado da rua. Enfim, estava em paz. Cansado, pernas doloridas, mas em paz.

A viagem fora cansativa, mas aparentemente tudo saía como planejado. A pousada era bem confortável e, como ele fez questão, de frente para o mar. Tinha até ar condicionado. O passeio era o primeiro passo para ele retomar sua rotina e sair do buraco em que a vida lhe colocara.

Terminar o relacionamento definitivamente não foi fácil. Seis anos de união, o último deles sob o mesmo teto. Até que acabou, ela não quis mais e se foi. Desde então, ele passava os dias no apartamento que fora do casal e ainda sentia o cheiro dela em tudo. Esperou o dia que ela decidisse voltar. Esse dia que nunca chegou e, agora ele bem sabia, nem chegaria. Ela estava feliz e ele não a culpava por isso. Pensava que as pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento.

Então, decidiu viajar. Sozinho. Conhecer um estado novo, ver outra vez o mar. Seria a oportunidade perfeita para sair de vez do casulo que criara e se escondera todo esse tempo. A vida era mais do que uma relação a dois. As pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento! O dele era de se redescobrir, de recomeçar. Escolheu a dedo o destino, a hospedagem, a praia. Agora, depois de um dia de viagem, com a mochila aos pés, olhava o mar pela janela, tal como havia esperado ansiosamente.

Alguém bateu à porta e o trouxe de volta ao mundo real. Estranhou, foi abrir.

Sem jeito, a camareira pediu desculpas, disse que precisava repor o consumo do último hóspede, que havia deixado a pousada há pouco. Ele consentiu, claro. E ela entrou no quarto segurando três garrafinhas de água e meia dúzia de pacotes de preservativos.

Ele voltou a olhar o mar, azulão. Reflexivo, pensava que as pessoas tinham o direito de dar importâncias distintas a um mesmo momento. Mas bem que poderia ter mais do que alguns minutos de diferença entre o momento dele e o dos outros.

2 comentários:

Cláudia Cavalcanti disse...

Há muito tempo não aparecia aqui no seu blog um novo texto. Gostei, este é um texto sentido, um texto para ler e pensar na vida.

Um beijo

ThiagoFC disse...

Desconfio que há algo errado comigo, pois já faz um tempo que não vejo o mar e não estou sentindo falta.