domingo, 20 de julho de 2014

Incredibilidade


Um coquetel composto perigosamente por um tanto de solidão temporária, boas memórias, uma pitada de saudade, três doses de uísque sem gelo no início da madrugada de um dia útil e o som alto de uma música ruim num carro na rua trouxe ela outra vez à memória dele. Outra vez. Os momentos juntos foram diferentes, coisas só deles. Segredos. Ele já não se sentia mais no direito de carregar esperanças de que o tempo voltasse até aquela época, nem que eles se entendessem de novo num futuro improvável. Sabia que tinha acabado.

Só queria, uma última vez, ouvir a voz dela.

Enquanto caminhava de volta pra casa, chutando, cabisbaixo, pequenas pedras pela rua, apertava os olhos fechados e buscava no cérebro uma informação perdida no baú das memórias da vida. Buscava nos seus arquivos mais pessoais o número do telefone dela. Lembrou-se do número dois, o quatro e um oito perdido na sequência. Iria arriscar.

E se ela atendesse? Ouviria a voz dela. E ele perguntaria, casualmente, como andava a vida. Não, melhor não. Diria que ligou pela saudade. Ou não falaria nada, só sentiria.

Se ela não atendesse, ele colocaria a culpa no horário desadequado, mas esperaria que ela retornasse a ligação na manhã seguinte. Não, tinha cansado de esperar qualquer coisa a mais da vida. Apenas se certificaria de que ela sabia que era ele quem chamava e que não queria mais qualquer contato. Ou que, talvez, ela, enfim, não estivesse mais sozinha.

Discou o último número e chamou. Parou de caminhar, enquanto mirava a luz de um poste fantasiando ser o reflexo da lua cheia para compor um cenário épico.

Do outro lado da linha, uma familiar voz feminina doce e segura respondeu com um áspero choque de realidade, que ele recebeu como uma asfixiante pancada no estômago. Era o retorno que ele não queria ter. A mesma resposta da última tentativa, não sabia quanto tempo atrás. Ele precisava mesmo recolocar a vida nos eixos. Pior do que a solidão, a indiferença.

Pior do que a indiferença era nem ter créditos suficientes para realizar uma chamada telefônica. Pro inferno aquela gravação.