Um coquetel composto perigosamente por um tanto de solidão
temporária, boas memórias, uma pitada de saudade, três doses de uísque sem gelo
no início da madrugada de um dia útil e o som alto de uma música ruim num carro
na rua trouxe ela outra vez à memória dele. Outra vez. Os momentos juntos foram
diferentes, coisas só deles. Segredos. Ele já não se sentia mais no direito de carregar
esperanças de que o tempo voltasse até aquela época, nem que eles se
entendessem de novo num futuro improvável. Sabia que tinha acabado.
Só queria, uma última vez, ouvir a voz dela.
Enquanto caminhava de volta pra casa, chutando, cabisbaixo,
pequenas pedras pela rua, apertava os olhos fechados e buscava no cérebro uma
informação perdida no baú das memórias da vida. Buscava nos seus arquivos mais
pessoais o número do telefone dela. Lembrou-se do número dois, o quatro e um
oito perdido na sequência. Iria arriscar.
E se ela atendesse? Ouviria a voz dela. E ele perguntaria,
casualmente, como andava a vida. Não, melhor não. Diria que ligou pela saudade.
Ou não falaria nada, só sentiria.
Se ela não atendesse, ele colocaria a culpa no horário
desadequado, mas esperaria que ela retornasse a ligação na manhã seguinte. Não,
tinha cansado de esperar qualquer coisa a mais da vida. Apenas se certificaria
de que ela sabia que era ele quem chamava e que não queria mais qualquer
contato. Ou que, talvez, ela, enfim, não estivesse mais sozinha.
Discou o último número e chamou. Parou de caminhar, enquanto
mirava a luz de um poste fantasiando ser o reflexo da lua cheia para compor um
cenário épico.
Do outro lado da linha, uma familiar voz feminina doce e
segura respondeu com um áspero choque de realidade, que ele recebeu como uma
asfixiante pancada no estômago. Era o retorno que ele não queria ter. A mesma
resposta da última tentativa, não sabia quanto tempo atrás. Ele precisava mesmo
recolocar a vida nos eixos. Pior do que a solidão, a indiferença.
Pior do que a indiferença era nem ter créditos suficientes
para realizar uma chamada telefônica. Pro inferno aquela gravação.
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