segunda-feira, 22 de setembro de 2014

O candidato


O candidato assumiu ele mesmo as diretrizes da campanha. Resolveu tentar fazer o que pouco se via por aquelas bandas: apresentar propostas, conversar com o povo. Não mandou fazer cavaletes porque pensava que as ruas e praças são locais públicos pertencentes a todos e não seriam placas ou bonecos em tamanho real, que atrapalham a caminhada das pessoas, que fariam com que ele fosse mais bem votado. Só emporcalharia a cidade. Além do mais, ele nem era bonito pra isso.

Não compôs uma musiquinha grudenta e contratou um carro de som com volume alto porque acreditava que isso era falta de respeito, intromissão nos lares e empresas das pessoas. E nos ouvidos também. Não queria ser eleito à custa da poluição sonora.

Nem santinhos. Eles sujam as ruas e servem mais para o pessoal desenhar chifrinhos, óculos e dentes podres do que para popularizar um candidato. Quando enchem as caixas de correios das casas então, nem se fala. Pior do que isso, só quando os afixam nos limpadores de para-brisas dos carros. Ele sabia que isso dá raiva, é chato.

O candidato queria apresentar propostas. Andou pelas cidades, conversou com o povo. Ele se posicionou sem medo, e sem que ninguém o perguntasse, sobre o que pensava para os rumos da economia, da saúde e da educação, da polícia, casamento entre pessoas do mesmo sexo, legalização das drogas e do aborto, redução da maioridade penal e pena de morte. Quando os jornalistas o perguntaram, aí que ele falou mesmo, com propriedade.

Não pediu voto às pessoas que seguiam a mesma religião que ele. Evitou unir os assuntos, até. Também optou por não ficar se vangloriando de boas práticas de ex-gestores públicos do seu partido, assim como preferiu não atacar quem estava do outro lado. Chegou a reconhecer pontos positivos em diversos atos da turma do grupo político diferente do dele. E criticou outros, tudo argumentado.

Andou, apresentou as propostas, conversou com o povo.


Saiu o resultado, não foi eleito. Chegou nem perto disso, aliás, coitado.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O torcedor solitário


O bebê sai da maternidade vestido com um miniuniforme do time do pai, tem até gorro. E é por esse clube que ele vai torcer e se apaixonar alguns anos mais tarde. Pai e filho acompanharão, abraçados, vitórias e derrotas e compartilharão aquele mesmo amor inexplicável por uma agremiação por toda a vida. Ou não. Porque a criança pode se rebelar contra qualquer determinação e escolher, sozinha, os caminhos que ela vai trilhar em sua própria e ingrata história de torcedor. Pode ir para o lado rival ou contrariar qualquer lógica geográfica de imposição de preferência e ser fisgado por um grande amor à distância.

Eu fui um desses. Meus pais nunca foram muito ligados em futebol, é verdade. Eu decidi sozinho torcer por um time de outro estado (e ainda hoje tenho que me justificar por isso para a sociedade). Comecei a acompanhar futebol um pouco mais tarde do que os outros meninos, mas tomei gosto pela coisa e, desde então, são anos de jogos na TV às quartas e domingos e muitos quilômetros de estradas em viagens para estádios. O mais especial e desafiador de tudo: eu fui um pequeno torcedor solitário.

Ao longo da vida, eu não tinha amiguinhos que torciam pelo meu time. Nem parentes. Eles se dividiam pelas duas equipes do estado. Eu não, eu tinha meu ideal próprio, a bandeira só minha. Eu lutava sozinho cada batalha. Eu ganhava ou perdia as guerras contra exércitos formados. Sofria calado, comemorava sozinho. Nunca tive com quem dividir o abraço da vitória, o choro da derrota ou a angústia de não ter o jogo transmitido na tevê aberta.

Quando meu time perdia para o dos amigos, eu era massacrado impiedosamente pela multidão. Na rua, na escola, em qualquer curso que eu fizesse. Eu sempre era a minoria. Mas se o meu esquadrão vencia, eu triunfava sozinho como um herói valente que desmonta um batalhão inimigo.

Em 1998, eu tinha infinitos amigos cruzeirenses. E o duelo final pelo título de melhor do Brasil foi entre mim e eles. Eu venci sozinho a metade azul do estado e fiquei com toda a glória. No ano seguinte, o grande jogo foi contra o Atlético. Eu ganhei de novo e outra vez ri e vibrei só.

No início de 2000, acredite se quiser, a maioria dos meus amigos torcia pelo Vasco. E eu reinei mais um vez – e, dessa, do degrau mais alto –  quando vi meu time pela primeira vez campeão do mundo. Dois anos depois, comemorei o último dos grandes títulos sozinho: o da Copa do Brasil, este especial, no dia do meu aniversário.

Em 2005, eu acompanhei quase toda a arrancada do time capitaneado pelo Tévez ainda no consagrado, e até então imutável, bem aceito esquema da solidão. Era rotina procurar, em vão, transmissão dos jogos pelos bares. Até que, por uma interação virtual, enfim, conheci outros fanáticos como eu, que também acreditavam serem os únicos num raio de quilômetros. De imediato, nos identificamos. Eram todos bravos cavaleiros solitários em suas próprias jornadas de torcedor. Ainda poucos, comemoramos o primeiro título brasileiro juntos.

Na Copa do Brasil de 2009, já éramos algumas dezenas e no segundo Brasileiro ganho juntos, em 2011, o grupo já tinha crescido para centenas de fiéis corinthianos tremulando bandeiras e cantando pela cidade. Em 2012, abraçamos a América, abraçamos outra vez o mundo e abraçamos tanta gente torcendo junto.

Nesses anos de jogos em bares com a turma do Corinthians, fizemos festas, viagens para o campo e mais amizades. Em bando, ficamos ainda mais fortes. A angústia de não ter uma tevê transmitindo as partidas, felizmente, é passado. O tempo em que eu, sozinho e fardado de preto e branco, duelava contra o resto da humanidade em favor do meu time é só uma lembrança.

Eu ainda guardo o gostinho especial de desafiar o mundo para torcer. Só quem defende, solitário, um time de longe sabe, de verdade, o que é servir em um exército de um homem só.