O bebê sai da maternidade vestido com um miniuniforme do
time do pai, tem até gorro. E é por esse clube que ele vai torcer e se
apaixonar alguns anos mais tarde. Pai e filho acompanharão, abraçados, vitórias
e derrotas e compartilharão aquele mesmo amor inexplicável por uma agremiação por
toda a vida. Ou não. Porque a criança pode se rebelar contra qualquer determinação
e escolher, sozinha, os caminhos que ela vai trilhar em sua própria e ingrata
história de torcedor. Pode ir para o lado rival ou contrariar qualquer lógica
geográfica de imposição de preferência e ser fisgado por um grande amor à
distância.
Eu fui um desses. Meus pais nunca foram muito ligados em
futebol, é verdade. Eu decidi sozinho torcer por um time de outro estado (e
ainda hoje tenho que me justificar por isso para a sociedade). Comecei a acompanhar futebol um pouco mais tarde do que os outros meninos, mas tomei gosto pela
coisa e, desde então, são anos de jogos na TV às quartas e domingos e muitos
quilômetros de estradas em viagens para estádios. O mais especial e desafiador
de tudo: eu fui um pequeno torcedor solitário.
Ao longo da vida, eu não tinha amiguinhos que torciam pelo
meu time. Nem parentes. Eles se dividiam pelas duas equipes do estado. Eu não,
eu tinha meu ideal próprio, a bandeira só minha. Eu lutava sozinho cada
batalha. Eu ganhava ou perdia as guerras contra exércitos formados. Sofria
calado, comemorava sozinho. Nunca tive com quem dividir o abraço da vitória, o
choro da derrota ou a angústia de não ter o jogo transmitido na tevê aberta.
Quando meu time perdia para o dos amigos, eu era massacrado impiedosamente
pela multidão. Na rua, na escola, em qualquer curso que eu fizesse. Eu sempre
era a minoria. Mas se o meu esquadrão vencia, eu triunfava sozinho como um
herói valente que desmonta um batalhão inimigo.
Em 1998, eu tinha infinitos amigos cruzeirenses. E o duelo
final pelo título de melhor do Brasil foi entre mim e eles. Eu venci sozinho a
metade azul do estado e fiquei com toda a glória. No ano seguinte, o grande
jogo foi contra o Atlético. Eu ganhei de novo e outra vez ri e vibrei só.
No início de 2000, acredite se quiser, a maioria dos meus
amigos torcia pelo Vasco. E eu reinei mais um vez – e, dessa, do degrau mais alto
– quando vi meu time pela primeira vez
campeão do mundo. Dois anos depois, comemorei o último dos grandes títulos
sozinho: o da Copa do Brasil, este especial, no dia do meu aniversário.
Em 2005, eu acompanhei quase toda a arrancada do time capitaneado
pelo Tévez ainda no consagrado, e até então imutável, bem aceito esquema da
solidão. Era rotina procurar, em vão, transmissão dos jogos pelos bares. Até
que, por uma interação virtual, enfim, conheci outros fanáticos como eu, que
também acreditavam serem os únicos num raio de quilômetros. De imediato, nos
identificamos. Eram todos bravos cavaleiros solitários em suas próprias
jornadas de torcedor. Ainda poucos, comemoramos o primeiro título brasileiro
juntos.
Na Copa do Brasil de 2009, já éramos algumas dezenas e no
segundo Brasileiro ganho juntos, em 2011, o grupo já tinha crescido para centenas
de fiéis corinthianos tremulando bandeiras e cantando pela cidade. Em 2012,
abraçamos a América, abraçamos outra vez o mundo e abraçamos tanta gente
torcendo junto.
Nesses anos de jogos em bares com a turma do Corinthians,
fizemos festas, viagens para o campo e mais amizades. Em bando, ficamos ainda mais fortes. A angústia de não ter uma tevê
transmitindo as partidas, felizmente, é passado. O tempo em que eu, sozinho e
fardado de preto e branco, duelava contra o resto da humanidade em favor do meu
time é só uma lembrança.
Eu ainda guardo o gostinho especial de desafiar o mundo para
torcer. Só quem defende, solitário, um time de longe sabe, de verdade, o que é servir
em um exército de um homem só.
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