quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Por Ulisses Vasconcellos

Recentemente me firmei como repórter policial da Tribuna do Cricaré. Além de acompanhar a série de crimes de todos os tipos – assassinatos, seqüestros, encontro de corpos e prisões –, tenho produzido diversas reportagens sobre a situação da cadeia pública da cidade.


É assombroso. Um amontoado de gente em cubículos imundos. Um preso com hanseníase e outros com tuberculose, todos respirando o mesmo (pouco) ar. “O inferno”, como me disse um dos detentos. E nessa oportunidade eu tive a primeira chance de escrever uma coisa minha mesmo para publicar no jornal. Sem preocupação com lead, sublead, pirâmide invertida... Saiu na TC do último sábado, 2 de agosto.


Cheiro forte, calor e escuridão


O cheiro forte impressiona. Vem do chão, do pátio, do teto, das paredes. Da água que desce nas paredes. O odor é misto de lixo, mofo, restos de comida, pombos e gente aglomerada, quase um sobre o outro. Fora o calor, num lugar em que o ar até entra, mas não sai. Projetado para seis, abriga 20. Essa realidade tão longe das pessoas está no Centro de São Mateus, nas celas da cadeia pública.


Segundo os detentos, o pátio nunca é varrido. A quantidade de lixo comprova. A de ‘um pé’ de sandália também. Os restos de almoço – algumas vezes o prato todo – fazem a alegria dos pombinhos. Os ‘rastros’ deles estão por toda parte. Esses mesmos pombos passeiam pela caixa-d’água. Há histórias de presos que acharam pedaços das aves na água que tomavam banho e outros que teriam usado os bichinhos para matar a fome.


A luz não entra direito. Como o ar não circula, a sensação de abafamento parece constante. E a água acaba com certa freqüência. Depois do banho, vêm as coceiras. O cara do lado tosse o tempo todo.


Tudo tem a mesma cor de nada, de vazio. A água parada no chão do pátio tem cor de suja. Por lá estão os pombinhos, a bebendo inocentemente. Os sacos de lixo empilhados são o restaurante das baratas. Os presos garantem que a comida é tão ruim, que às vezes é humanamente impossível mandar pra dentro. Humanidade não é muito o que se vê por ali...


“A única alegria do preso é a segunda-feira”, revela um deles. O motivo é a visita da mamãe, a mulher, os filhos. Mas, para não fugir à regra, uma hora da visita se passa com o contato via grade. O discurso é o mesmo em todas as celas: “Erramos, vamos cumprir nossa pena. Mas só queríamos ser tratados como seres-humanos. A gente não é bicho”. A sensação que fica na cabeça de quem adentra – para visitar ou conhecer – os domínios do temeroso Cadeião é de que tem alguma coisa errada. Quem comete um crime, tem, necessariamente, que ser vítima de outro?


Isso que eu falei.

2 comentários:

Régis André disse...

Ao cara... repórter policial!

Ficou muito bom o texto, a frase final é sensacional!

Sucesso, brother!

Ulisses Vasconcellos disse...

É, meu caro Reginald, o Issoqueeufalei também trata de questões sociais, tá ligado?

Essa visita rendeu. Pro lado bom e ruim.

Depois te conto... ao pé do ouvido.