Pouca gente sabe, mas o corpo humano tem sua própria bússola. É uma parte do cérebro ainda desconhecida dos cientistas com função única de orientar. Ela não é ativa o tempo inteiro – muito pelo contrário, é estratégica. Para ser acionada precisa de combustível: bastante álcool. Aí as coisas se explicam.
É impressionante, um cidadão embriagado sempre volta para casa inteiro. Não importa a distância, o meio de transporte, a dose ingerida, nada disso. Ele volta, guiado pela misteriosa força que convencionei chamar de Fator B. O bêbado pode perder autonomia sobre seus membros, dicção, senso do ridículo, apetite sexual, mas uma vez com o Fator B acionado o retorno ao lar é certo.
O místico poder garante que, ao final da noite, o encachaçado dormirá na própria cama, custe o que custar. O sexto sentido o sustenta quando as pernas cambaleiam, fixa as mãos no volante e guia o automóvel quando os olhos cerram-se ou crava a coluna vertebral sobre a moto quando o corpo começa a deslizar para um lado. Até consegue carona, se necessário. A rota sempre é impecavelmente lembrada, por mais recente que possa ser a moradia. É como um GPS instalado por dentro.
Uma madrugada dessas eu voltava para casa da Festa da Cidade, alcoolizado, de ônibus. Estava em pé, apertado, sozinho, meio bobo e dialogando com pessoas que nem imagino quem são. De repente um rapaz sentado próximo abre a boca e vomita... e vomita... A multidão (o ônibus estava cheio) mais que depressa passa a zombá-lo. Eu também, mas meu coração benevolente entra em ação.
Com carinho quase materno, oriento o fanfarrão a regurgitar seus alimentos e drinks em local a causar menos estrago – mais longe do corredor, cuidado com os pés dos passageiros, pelo menos fora dos outros bancos. Ele não responde, está desmaiando. O coitado está solitário. A galera já inventa apelidos, aponta o dedo indicador e ri alto. Eu também, mas ainda estou do lado dele. Eis que me vem à mente a questão: “Como é que este embasbacado morto-vivo vai chegar em casa?”
Pergunto a ele se lembra-se onde mora. Ele abre só um olho, põe a língua para fora e resmunga qualquer coisa babando, que interpretei autoritariamente como: “Sei sim, não se preocupe. Estou bem”. Acho que ele está em coma. A esta altura tento insistentemente explicar aos populares que o sujeito não é meu amigo e que nem sequer o conheço. Em vão, agora fiquei sendo o parceiro do derrubado.
O ônibus pára num ponto qualquer. O maluco se levanta repentinamente, respira, olha pela janela e calmamente desce as escadas com toda segurança do mundo. E segue, sozinho, pela rua escura, para o lar doce lar dormir o sono dos justos. O Fator B dele é bom mesmo.
Isso que eu falei
2 comentários:
Definitivamente, esse foi um final de semana em que meu "Fator B" foi bastante exigido...
hehehe!
pode crer, Didizão!
Em termos de fatores, acho que já tivemos que desenvolver boa parte do alfabeto.
Mil Beijos.
Cano.
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