sábado, 17 de julho de 2010

Histórias que a bola não contou (e nem vai contar) – Parte final – Você decide

27 de julho de 2014: O mundo para depois de 64 anos para assistir outra final de Copa no Maracanã. Em campo, os dois maiores rivais do futebol mundial: Brasil e Argentina. Nunca se viu tamanha festa em qualquer canto ao redor do globo. Uma multidão de fotógrafos se aglomera para registrar a subida ao gramado dos dois times. Os capitães Mascherano e Thiago Silva puxam as filas.


O Brasil está armado com Júlio César, Rafinha, Thiago Silva, Alex Silva e Marcelo; Denílson, Lucas, Ramires e Paulo Henrique Ganso; Neymar e Alexandre Pato. O banco de reserva tem bons nomes, como o goleiro Renan, Rafael Tolói, Sandro, Guilherme, Douglas Costa, Dentinho e o veterano Kaká. Os holofotes argentinos estão todos sobre o atacante Lionel Messi, outra vez em grande fase, com a chance de provar que pode jogar como no Barcelona e voltar ser a ser o melhor do mundo, repetindo 2009 e 2010.

Pelo lado verde-amarelo, o grande astro é o meia Ganso atual dono da 11 (não quis a 10 para evitar comparações com Pelé, outro ex-Santos). Desde que deixou o time da Vila Belmiro, no meio de 2011, o jogador coleciona conquistas. Vendido ao modesto Udinese, encantou a Itália em sua primeira temporada e levou a equipe ao Calcio. Marcou 36 gols em 34 jogos e anotou 23 assistências. Foi vendido ao Milan por um preço quatro vezes maior. Ganhou a vaga de Kaká na Seleção, é chamado de “novo Zico”. É o atual melhor do mundo, com grandes chances de renovar o título. Na Copa 2014 marcou três vezes em seis jogos – e seis vitórias. Fez o gol que eliminou a Espanha nas semifinais. Seguramente vai estar no dream team da competição.


O sucesso de Ganso é tanto que reina no país a chamada Gansomania. Nos jogos do Mundial, os brasileiros levam apitos com barulho de ganso e bonés com pescoço e bico da bela ave para homenagear o craque. Essa Seleção resgatou de vez o orgulho de torcer pelo país.

A expectativa é grande. Ouve-se o Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor nitidamente do estádio. A festa é maravilhosa. O macaco Goró, do zoológico do Rio, comeu a banana do prato brasileiro e ignorou a com a marca portenha. Rola a bola.

O jogo é um misto de futebol arte e futebol força. Dribles, cortes secos, tabelas e, sempre que possível, pisões e fortes entradas. Dois cartões amarelos para o Brasil no primeiro tempo e três para a Argentina. A cada lance de ataque brasileiro, o Maraca se inflama. Gritos questionando a masculinidade dos atletas adversários divertem o estádio. As câmeras flagram diversas modelos em roupas decotadas e justíssimas torcendo pela Seleção. A bola – batizada de Jaci – não entra.


Num lance rápido no início do segundo e com um passe de Messi, o atacante Agüero abre o placar. E o que os argentinos chamavam de Maracanazo-azo vem à tona. A torcida argentina, apoiada por um ou outro uruguaio, levanta cartazes escrito 1950. Aos 87 minutos de jogo, Dentinho (que entrou na vaga de Neymar), sofre falta na área. Pênalti para o Brasil. Catimba, empurra-empurra, mais três cartões amarelos. Ganso pega a bola, confiante.

Agora você decide:

a) Ganso se concentra e bate forte. Pra fora. Os argentinos comemoram. Ganso senta e chora. O Brasil chora. O pior pesadelo aconteceu. Os argentinos fazem festa, dançam cumbia, dançam samba, dançam tango. O técnico Maradona solta uma piadinha atrás da outra e manda beijos irônicos para a torcida. O técnico Mano Menezes é demitido imediatamente após a partida.

Messi foi eleito o melhor da Copa. A carreira do jovem Ganso nunca mais foi a mesma. Jamais conseguiu se firmar na Seleção de novo. Ficou conhecido como o gênio que poderia ter sido e não foi.


b) Ganso se concentra e bate forte. Golaço. O craque beija o símbolo da CBF, corre de braços abertos e é interceptado por uma multidão amarela de jogadores, que o abraçam. O time ganha moral. Parte para a prorrogação e pressiona, até chegar ao vira-vira, num chutasso de Pato. De virada é mais gostoso.

Ganso é eleito o melhor da Copa e revalida o posto de melhor do mundo. Vira boneco de plástico, sucesso entre as crianças. Entra para o hall dos atletas imortais e começa a ser comparado com Pelé. Diz-se que se mantiver o nível, poderá ultrapassar o Rei em questão de anos. Palavras da crítica esportiva e de craques do passado como Beckenbauer, Sócrates, Júnior, Platini, Bergkamp, Baggio, Zidane, Ronaldo e Ronaldinho.

O hexa é nosso!


No meio esportivo, e especialmente no Brasil, a diferença entre mitos e vilões é de uma tenuidade incrível, injusta e irracional. E segue a vida.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Histórias que a bola não contou – Parte V

2 de julho de 2010: O relógio marca 42 minutos do segundo tempo quando Daniel Alves ajeita a bola para cobrar a falta que pode empatar em 2 x 2 o duelo entre Brasil e Holanda pelas quartas-de-final da Copa do Mundo. O lateral-ala-meia se concentra e mira a pelota, sabe que o sonho do título em território africano depende – e muito – do seu chute. Daniel ainda não apresentou seu melhor futebol em nenhum jogo do mundial, é agora ou nunca. Lembra-se de Branco em 1994. Respira. Não toma distância e chuta. A bola viaja e acerta o ângulo esquerdo do goleiro Stekelenburg (aproveite e aprenda pelo menos como se escreve o nome do guarda-metas laranja: S-te-ke-len-burg). O estádio Nelson Mandela Bay vive seu momento de maior euforia.

O Brasil, que já vinha melhor desde meados do segundo tempo, cresce de vez na partida, mesmo com um homem a menos, após a expulsão do volante Felipe Melo depois de um pisão irracional no meia Robben. O treinador Dunga põe o time para frente e tira Gilberto Silva para dar lugar a Grafite. E começa a prorrogação.

Com sinais de cansaço dos atletas dos dois lados, o jogo perde fôlego. Um ou outro chute a gol e o apito final, é hora de decidir nos pênaltis quem passa de fase. Boas lembranças vêm, agora, de 1998.

Dunga conversa com seus comandados. No primeiro tiro, Kaká converte. Assim como Daniel, Michel Bastos e Nilmar. Júlio César para os chutes de Robben e Sneijder e a Seleção está nas semifinais.


O jogo contra o Uruguai é fácil – 3 x 0. Os favoritos Brasil e Espanha decidem a Copa da África do Sul.

O primeiro tempo é do time vermelho, que abre o placar com o artilheiro David Villa e tem a defesa mais bem postada, segundo palavras do narrado Luciano do Vale. Já no início do segundo tempo a torcida brasileira exercita sua fúria e fala mal do Dunga, xinga o Felipe Melo. Cadê a renovação, os meninos da Vila? A liberdade de imprensa? Começavam até a levantar um mosaico em pleno Soccer City com uma foto do Ronaldinho Gaúcho matando uma bola no peito quando Kaká empata a partida. Agora ninguém sabe mais se apoia, se corneta, se escreve alguma coisa sobre o Galvão Bueno no Twitter. É final de Copa do Mundo, amigo.

Quando Kaká marca seu segundo gol em uma linda jogada individual e decreta a virada, o mundo enaltece de vez o poderio do futebol brasileiro. Toda a torcida grita Brasil e o pessoal do mosaico vira ele ao contrário, e mostra uma caricatura do Dunga levantando a taça e os dizeres Obrigado, professor!. A modelo paraguaia Larissa Riquelme promete desfilar nua na Sapucaí no próximo Carnaval.


Na entrevista depois do jogo, o técnico brasileiro dedica uma série de palavrões a todos os jornalistas do mundo. Exalta seus comandados, reafirma que sempre soube o que fazia. Manteve-se a coerência.


segunda-feira, 5 de julho de 2010

Histórias que a bola não contou – Parte IV

1º de julho de 2006: Enquanto o atacante Henry comemora o primeiro gol do duelo entre França e Brasil pelas quartas-de-final da Copa do Mundo, o técnico Carlos Alberto Parreira conversa com Adriano no banco de reservas. O time verde-amarelo estava armado do meio para frente com Gilberto Silva, Zé Roberto, Juninho e Kaká; Ronaldinho e Ronaldo. Sai o pernambucano, Ronaldinho recua e o Imperador assume a frente. Restam 33 minutos de bola a rolar no gramado alemão, terra dos atuais campeões do mundo.

Com a mudança, o Brasil consegue criar jogadas, mas não conclui bem. Parreira ousa outra vez: Robinho em vez de Zé Roberto. O jogo é do time amarelo. Gilberto Silva é um carrapato em Zidane. Lúcio não deixa Henry tocar mais na bola. Faltam 21 minutos.

Kaká tenta de longa distância, o goleiro Barthez defende. Ronaldinho arrisca por cobertura, Barthez segura. Cafu tenta cruzar, erra e a bola quase entra, Barthez espalma. Ronaldo bate colocado. Barthez. Restam dois minutos. Gilberto Silva mata um contra-ataque francês e lança Adriano. Já passa dos 45. O Imperador ajeita para a perna esquerda, solta a bomba e marca um golaço. Sai correndo, tira a camisa, faz pose de Hulk antes de ser vítima de um montinho formado pelos outros 22 atletas brasileiros – a maior aglomeração humana de esbanjamento de felicidade da história dos mundiais.

Na prorrogação o Brasil joga por música. Confiante, o time canarinho enche os olhos da torcida com toques de primeira, lances de calcanhar e passes precisos. É questão de tempo para o gol. Kaká recebe pela direita, corre a largas passadas, aplica um drible da vaca no lateral Abidal e entrega a pelota a Robinho, que chega pelo centro. O garoto pedala para cima de Makélélé, passa fácil e lança Ronaldinho na esquerda. É a vez do Showman deixar Govou e Sagnol para trás com um único corte seco e lançar a bola na área para Adriano. O Imperador mata no peito, finge que chuta e toca para o lado, de onde surge Ronaldo por trás de Gallas para finalizar com estilo, decretar a virada e anotar seu décimo sexto gol na história das Copas – o maior artilheiro de sempre. Os cinco craques se abraçam e a imagem dessa união de gênios é capa de todos os jornais esportivos do mundo no dia seguinte. Fim de jogo, Brasil nas semis de novo.


Assim como há oito anos, os le bleus sucumbem frente ao poderio verde-amarelo e ganham de vez o rótulo de fregueses. Toda a crítica esportiva do planeta questiona se alguma equipe seria capaz de vencer o Brasil, talvez a melhor equipe de todas as copas. Os jogadores, o treinador, a torcida, todo mundo ri à toa.

É, mas a alegria não durou muito. No próximo jogo o Brasil pareceu não ter entrado em campo, jogou mal e acabou sendo eliminado por 1 x 0 pro Portugal de Felipão, num gol feio do luso-brasileiro Deco. Portugal perdeu nos pênaltis a final para a Itália – já especialista em vencer mundiais nos penais.


Dizem que ficou claro que o excesso de liberdade dado aos atletas brasileiros prejudicou o time. Uma vergonha à vencedora história do país nas copas. Metade dos jogadores anuncia que não joga mais pela Seleção. Deve ter faltado comprometimento, amor à camisa.

sábado, 3 de julho de 2010

Histórias que a bola não contou – Parte III

30 de junho de 2002: Termina o primeiro tempo no International Stadium Yokohama em 0 x 0. Brasil e Alemanha estão empatados em seu primeiro confronto em uma Copa do Mundo, já decidindo um título. O time da Família Scolari está ligeiramente melhor, mas não se considera favorito, pois, como sentenciara o poeta-locutor Galvão Bueno a Alemanha é um time que quando joga bem, ganha, e quando joga mal, ganha. As esperanças verde-amarelas estão nas chuteiras de Ronaldo, herói do tetra em 1998, e que parece ter ressurgido para calar os incrédulos após outra lesão. Os germânicos apostam no faro de gol do matador Klose.

O jogo não é só dos centroavantes. Os guarda-metas Oliver Kahn e Marcos também são astros de suas constelações e, com atuações sobrenaturais, fecham seus gols contra as investidas do ataque adversário. Enquanto Marcos tem trabalho com Klose e Neuville, Kahn se desdobra para segurar o trio de erres que quase leva Galvão à loucura: Ronaldo, Ronaldinho e Rivado.

Os anfitriões japoneses dividem-se entre os fanáticos pela magia do futebol brasileiro e os adoradores da eficiência alemã. O estádio está um caldeirão. O segundo tempo recomeça.

Ronaldo tenta a arrancada, Ronaldinho a jogada de drible curto e Rivaldo o chute de longa distância. Roberto Carlos com as bolas paradas. Nem pensamento passa pelo goleirão alemão com cara de mau. O Brasil pressiona por 22 minutos, sem sucesso. E a velha máxima entra em cena: quem não faz... tem que tomar.

No contra-ataque, em um forte chute, Klose vence Marcos e abre o placar. Os gélidos germânicos se abraçam e já se reposicionam. Muda a estratégia, hora de segurar a pressão canarinha. Aos 34, o jogo ganha números finais. O artilheiro europeu recebe de Schneider e amplia: dois da Alemanha, dois de Klose, que se torna assim, isolado, o maior marcador de gols primeira Copa do novo milênio.


Com o apito final, o Brasil chora e volta a sentir a decepção de perder uma final após oito anos. Felipão é impiedosamente criticado por ter apostado em um Ronaldo sem condições de jogo e fora de forma e ter preterido Romário, o maior atacante em atividade no país. O treinador gaúcho é acusado de impedir o Baixinho de participar de seu último Mundial. A imprensa esportiva brasileira noticia o que o país inteiro já sabia: o esquema 3-5-2 jamais daria certo por aqui. Marcos perde a santidade e, mesmo com o título de melhor jogador da competição, recebido na véspera da final, deixa a Seleção pela porta dos fundos.

Os alemães celebram seu tetra com cerveja e salsichão. Tem início por todo o Extremo Oriente um movimento conhecido por germanomania – os japoneses puxam a fila e, como tradicionais puxa-sacos, pintam os cabelos de loiro, usam lentes azuis e camisas brancas da máquina de jogar futebol com quatro estrelas. Os nipônicos nascidos recebem nomes complicados alemães. O estádio da final é batizado de Arena Miroslav Klose. Para eles, a primeira Copa da Ásia foi um sucesso.