sábado, 9 de julho de 2011

Opostos


Ela sempre foi a mais baixa da sala na escola. Ele tem dificuldades em encontrar tênis tamanho 43. O prato preferido dela é lasanha. Ele, se pudesse, almoçava comida japonesa todos os dias. Ele acha que todo mundo tem que assistir O Poderoso Chefão ao menos uma vez na vida e ela vai ao cinema quando tem qualquer filme com o Johnny Depp. Ele está para concluir o mestrado em Economia e Finanças e ela cursa Publicidade em uma particular não muito bem vista na cidade.

Ele tem duas camisas do Black Sabbath. O sonho dela é ir a um show do Jeito Moleque. Ele está juntando dinheiro para conhecer Machu Picchu e a melhor viagem da vida dela foi um Réveillon em Cabo Frio. Ele se diverte com as crônicas do Veríssimo e ela está lendo o último livro do Harry Potter. Ela tem um pôster do Atlético campeão mineiro de 99 guardado e diz que se pudesse casaria com o Marques, o Guilherme e o Valdir. Ele prefere tênis.

Ela gosta de homens com barba. Já ele, acha que coça demais. Ele prefere morenas. Ela pintou o cabelo de uma cor meio castanha. O sobrenome dele é Silva e o dela é algo polonês, difícil de falar. Ele bebe Jack Daniel’s e ela sempre pede caipirinha. Ele frequenta bares. Ela, boates. Ela terminou o último namoro porque o cara era ciumento demais. O último relacionamento dele acabou porque não estava mais bom. Ela é de Touro e ele acha que esse negócio de signo não tem nada a ver.

Ele fuma Carlton. Ela tem um Renault. Ele ainda mora com os pais. Ela tem dois graus de miopia. Ele nasceu sem os dentes do siso. Ela não gosta de circo. Ele tem saudades do Rex, seu primeiro cachorro. Ela tem um vestido xadrez esquisito. Ele foi o último da turma a comprar celular. Ela segue o Rafinha Bastos no Twitter porque acha engraçado.

Eles um dia se encontraram sem querer. E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.

Mas não rolou nada. Eles são diferentes demais. E hoje um nem lembra mais que o outro existe.

domingo, 3 de julho de 2011

Fecha a conta


Pelo menos uma vez por semana os quatro amigos se encontravam no bar do Gilson. O ambiente era simples, a cerveja era gelada e serviam uns petiscos bem gostosos. Para eles, era o lugar ideal para jogar conversa fora, assistir ao futebol e esfriar a cabeça depois de um dia de trabalho. Fora que o Gilsão era um cara extremamente boa praça, um gordinho bonachão desses que logo ficam íntimos dos clientes e fingem ser mal-educados com todo mundo para a galera dar umas risadas. A Soninha, a mulher dele, era um amor de pessoa. E o Valtinho, o único garçom, já era como se fosse da família. Só tinha um problema: a conta sempre vinha errada. Cobrando a mais.

Eles bebiam muito e costumavam comer bastante. Logo, era difícil dizer exatamente se foram 17 ou 19 garrafas ou se a conta fechou em R$92 ou R$105. Mas era refazer os cálculos e perceber que tinha coisa errada acontecendo. O Mauro era sempre o mais exaltado, achava um absurdo a história sempre se repetir. “Pô Gilsão, toda a semana isso? Tá achando que a gente é otário, né?” O João Victor, pelo contrário, era tranquilão e sempre a favor deles pagarem o que foi cobrado e ficar por isso mesmo, a diferença nem era tanta. O Moreira, o mais político do grupo, era o responsável por ir lá oficializar a reclamação e trazer de volta a conta certa. O Gilson contestava um pouco, pegava a calculadora, rabiscava uns papéis e acaba por concordar com ele. Sempre punha a culpa em alguma coisa: geralmente no Valtinho ou na filha dele, a Luciana, que ajudava a família no caixa. Ou no grande movimento do dia, nas pilhas da calculadora, na alta da Bolsa de Valores ou no que desse para tirar o dele da reta. Mas foi do mais racional da turma, o Claudinho, o plano para terem certeza se eram ou não de má fé os reais cobrados a mais.

A ideia era a seguinte: na próxima semana eles não se sentariam juntos. Cada um pegaria uma mesa e ficaria sozinho, bebendo, comendo e anotando em um papelzinho escondido a exata quantidade de tudo que fosse consumido. Assim eles não se distrairiam conversando e confrontariam a lista do que foi pedido com o que seria cobrado. Se as contas viessem mais altas, era mesmo injustiça de caso pensado e eles deixariam de vez o local. Combinado, dito e feito. Cada um chegou em um horário, escolheu sua mesa e consumiu o que queria. O pessoal do bar estranhou, perguntou se estava tudo bem e eles responderam que sim, só queriam variar um pouco as coisas. Alguns pedidos depois, as contas. Frio nas barrigas.

O resultado não foi muito bacana. A conta do Mauro veio com duas cervejas a mais e uma porção de filé com fritas no lugar da de moelas que ele comeu. A do João Victor tinha uma dose de conhaque que ele não tinha pedido e uma porção de frango a passarinho inventada – ele é vegetariano. O Moreira se surpreendeu ao descobrir, olhando sua conta, que três garrafas de cerveja de R$4,20 somam R$15,50. E o pior foi com o Claudinho, que passou mal no dia e não pode ir ao bar, mas recebeu em casa no dia seguinte uma cobrança de cinco cervejas, uma Seleta, um filé de tilápia e um Trident Melancia. Quando ele apareceu no bar pra reclamar, o Gilson nem deixou ele falar e foi dizendo que o máximo que poderia fazer era parcelar em duas vezes. “Amigos amigos, negócios à parte”, justificou.