segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Conto à tróis - parte 1

Foram semanas de negociações. Conversas até a madrugada envolvendo assessores, empresários e produtores. Altos valores. E um final feliz. Inicia-se agora um projeto inovador na literatura brasileira: Conto à tróis, o primeiro conto escrito a seis mãos. Uma história em três capítulos, cada um criado por um autor, com total liberdade para dar rumo aos acontecimentos. A consolidada parceira com o jornalista Matheus Espíndola, do Blog do Cano, está de volta, com a ilustre participação do também jornalista Marcos Oliveira, dono do Cueca e Meia – projeto paralelo do musical Sandália e Meia. Divirtam-se.


Amor de coletivo


Capítulo 1 – Sapatos novos

Há um mês Fábio não ia mais ao trabalho com má vontade. Pelo contrário, aguardava com ansiedade a hora de tomar o ônibus rumo à fábrica. Passou a fazer a barba diariamente e comprou sapatos novos. Até aprendeu a passar a camisa direito. Fábio não gostava muito de ser montador de carros, mas o salário não era ruim para quem parou de estudar no ensino médio para ajudar a mãe nas despesas da casa. O sonho de cursar a faculdade de Ciências Sociais foi adiado sem data para ser retomado. O trajeto até a indústria ganhou nova cor quando uma moça diferente passou a pegar o mesmo ônibus que ele.

Fábio trabalhava em esquema de escalas, alguns dias da semana começando pela manhã e outros à noite. E eram nesses últimos que ele a encontrava. Ela era linda, pequena e branquinha, com longos cabelos pretos e bochechas rosadas. Aparentava ter 20 e poucos anos, corpinho com tudo no lugar. Ele, com seus 27, estava há alguns sem uma namorada. Ela sempre se sentava no mesmo banco, no fundo do coletivo, e falava ao celular todo o percurso. Ria muito. Carregava uma bolsa grande de couro. Todos os dias descia no mesmo ponto.

Nesse tempo dividindo o mesmo ônibus, tudo que ele descobriu dela era que se chamava Gláucia. Ela disse o nome algumas vezes ao atender ao telefone. Pelas conversas, não dava para sacar com quem ela falava. O tom de voz era baixo. Nem tampouco ele poderia imaginar se ela voltava para casa ou ia ao trabalho. A bolsa preta aumentava ainda mais o mistério.

Fábio ia à fábrica acompanhado de um colega, o Nestor. Fábio era caladão, tímido e gostava de ler. O Nestor era o extremo oposto – boa pinta, conquistador e brincalhão. Era o funcionário preferido de todos os superiores e já tinha se envolvido com praticamente todas as mulheres da empresa, das estagiárias às diretoras. Ele já havia percebido que o amigo não tirava os olhos da mocinha do último banco e não perdeu a oportunidade de fazer piada com a situação. Espalhou a história do amor platônico no setor de montagem e Fábio tentou negar, dizendo que era invenção. Mas era notório como ele ficava sem graça quando os colegas tocavam no assunto.

Uma noite em que Fábio não trabalhou, estava em casa lendo um conto de Edgard Allan Poe quando fechou o livro, pensou um pouco e decidiu que deveria levar adiante a ideia de conhecer a Gláucia. Apresentar-se para ela, falar qualquer coisa. Criou coragem e ligou para o Nestor, revelou que estava a fim da garota e pediu conselhos ao colega mais experiente no trato às mulheres. Nestor brincou com a situação, mas apoiou a iniciativa – poderia sim dar certo. Os dois trabalhariam no dia seguinte pela manhã, mas Fábio pediu que Nestor o encontrasse à noite, no ponto em que pegavam o ônibus para a indústria. Simulariam estar indo para um dia normal de serviço, mas Fábio desceria no mesmo ponto que Gláucia e, com jeitinho, abordaria a moça para uma conversa. Nestor não gostou do plano, no fim das contas ele sairia de casa apenas para uma volta de ônibus, mas aceitou fazer parte do jogo proposto pelo amigo.

Fábio lustrou os sapatos novos. E não conseguiu dormir aquela noite.

continua...

Um comentário:

Rene disse...

Edgar Allan Poe,isso foi surreal no meio do conto..O personagem estava lendo que estório,O gato negro,"dentes de berenice",nunca aposte a cabeça com o diabo,o escaravelho de ouro,barril amontilhado...