segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A extração 3


A mãe acordou desesperada com o pranto da filha. Levantou-se às pressas e, com o coração aos saltos, abriu a porta do quarto da menina, que, ainda deitada, chorava e soluçava abraçada ao cãozinho de pelúcia. A mãe pensou logo em um pesadelo, como ocorrera três vezes no último mês e já se viu a recuperar o discurso de que não existiam bruxas em vassouras perseguindo crianças. Mas não era bruxa. Era dor. De dente.

Se para os pesadelos o remédio era relativamente fácil (paciência, um chocolate e desenho animado logo cedo), para dor a mãe ainda não tinha fórmula mágica pronta. O jeito foi abraçar forte a filha, secar as lágrimas com as longas orelhas do Bob, a pelúcia, e anunciar que chegara o dia de ela conhecer uma tia com quem ela se daria muito bem, a dentista. Aí o pânico tomou conta da menina de vez e o choro aumentou assustadoramente.

Poucas horas depois, estavam na sala de espera do consultório mãe, filha e o Bob, segurado pela cauda – a presença do cachorro fora condição da menina para aceitar conhecer a odontóloga. Ela ainda não havia parado de chorar desde a manhã e a mãe suspeitava ser agora muito mais por medo do que por dor. A menina não queria ver a dentista, imaginava-a como uma bruxa velha, muito mais feia do que a dos pesadelos, com uma verruga com pelos no nariz e um aparelho torturador em forma de motorzinho na mão. Arrancaria todos os seus dentes, sem qualquer piedade, às gargalhadas. A mãe garantia que não e, após demoradas negociações, as duas estavam no sofá da clínica.

Quando a secretária anunciou que a menina era a próxima, o mundo pareceu que acabaria. O choro virou grito e ela se escondeu atrás das pernas da mãe, na tentativa de se proteger do monstro que estava prestes a buscá-la. Mas não veio um monstro. Muito menos uma bruxa. Do corredor surgiu lentamente uma moça grande e bonita, com cabelos pretos e a roupa, sapatos e o sorriso brancos. Abaixou-se para cumprimentar a menina e sorriu, com um singelo oi. As lágrimas da menina pausaram por um instante e ela levantou uma das sobrancelhas, com o olhar fixo na grande mulher de branco, ainda sem entender a situação. Aceitou a mão dela estendida e, com receio, caminhou com a moça de mãos dadas até sua sala, olhando a mãe por trás do próprio ombro.

O consultório não parecia a morada de um ser maligno. Fotos de pessoas felizes nas paredes e um boneco em forma de dente agarrado a uma escova decoravam o ambiente. A menina sorriu quando a cadeira subiu, ao som de um barulho engraçado. A primeira pergunta da dentista não foi respondida. A segunda recebeu como feedback um monossílabo qualquer. E em minutos a criança estava contando como o dente doeu e o bicho de pelúcia, agora no colo, a ajudou a suportar o sofrimento. A dentista ofereceu um pedaço de doce e, quando a menina mordeu, o pequeno dente de leite ficou cravado na guloseima. A mulher retirou-o com cuidado e explicou que o pontinho preto eram bichinhos muito pequenos que queriam fazer mal à menina, mas ela não deixaria. Elogiou-a por ter sido valente durante a extração. Tornou-se heroína.

A criança ouviu atenta todas as recomendações de como cuidar da saúde da boca. Ganhou o dente de lembrança, para levar consigo à espera da fada do dente, e, de quebra, um sorvete. Para completar, a moça mostrou a ela uma foto antiga de quando caiu seu primeiro dente, exatamente na mesma posição da janela recém-aberta. Riram juntas. A menina saiu correndo ao encontro da mãe. Quando chegou em casa, a primeira coisa que fez foi querer escovar os dentes. Até os do amigo de pelúcia. E à noite confidenciou à mãe que não queria mais ser bailarina quando crescesse, queria ser dentista.

No dia seguinte, a menina acordou e logo olhou embaixo do travesseiro. O dente havia se transformado em uma moeda.




É só uma tentativa de quitar minha dívida com o mundo da odontologia depois da primeira e segunda edições. Talvez agora esteja paga.

Um comentário:

Patrícia disse...

A Classe Odontológica agradece!
Muito bom!!