sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Empatia precoce


Os dois sempre moraram na mesma rua e tinham a mesma idade. Eram da mesma série na escola. Tinham os mesmos amigos, conheciam as mesmas pessoas e frequentavam o mesmo campinho e a sala de catecismo. Tinham tudo para serem os melhores amigos do mundo. Mas não eram nem perto disso.

Desde crianças, não se suportavam. As mães se acostumaram a ser chamadas na escola para conversar com a diretora porque, vira e mexe, os dois meninos saiam na mão, por qualquer motivo. Um comentário mal interpretado de um lado já levava a uma resposta atravessada do outro e aí era questão de tempo para eles se engalfinharem no chão. Do colégio ou da rua.

Brigaram na sala de aula, no corredor e infinitas vezes no pátio. Trocaram socos na cantina, na porta da escola e uma vez no banheiro. Jogando bolinhas de gude. Num passeio da classe a um museu. Durante uma prova de matemática.

Nas olimpíadas do colégio, cansaram de ser expulsos de campo ou de quadra por brigas entre si. Se eram de times adversários, já se estranhavam na primeira dividida. Se da mesma equipe, questão de tempo até um se irritar com um lance do outro e a confusão começar. Mas nunca souberam explicar de onde vinha tamanha empatia pelo vizinho.

A coisa se agravou quando se tornaram adolescentes. Para terminar de vez com qualquer possibilidade de entendimento, apaixonaram-se pela mesma garota. E parece que ela também gostou deles, porque namorou os dois. Duas vezes com cada.

Como os amigos eram os mesmos, estavam, a contragosto, sempre juntos. As primeiras festas de 15 anos, os primeiros porres e as primeiras viagens para fora da cidade foram as mesmas dos dois. Com o tempo, aprenderam a se suportar, embora não escondessem de ninguém que não iam com a cara um do outro.

Veio a faculdade. Eles escolheram o mesmo curso e ganharam mais alguns anos de convívio. Nas aulas de discussões, nunca tinham a mesma opinião e, não raro, a esfera acadêmica era deixada de lado e dava lugar à pessoal. Os novos colegas se divertiam com a situação. Na formatura estiveram todos os amigos em comum. Metade convidada por cada um.

Escolheram o mesmo ramo de atividade e hoje trabalham em empresas concorrentes. Para eles, uma motivação a mais para buscar a liderança de mercado. Ainda se esbarram com frequência em coquetéis empresariais e reuniões da turma da faculdade, do colégio ou da rua. Numa dessas, discutiram de novo e resolveram, depois de tantos anos, tirar a limpo as diferenças. Como homens, na mão, sob os olhares de muitas testemunhas. Cada um pegou um controle e ligaram o PlayStation, no Pro Evolution. Um escolheu o Barça e outro o Real. Estaria naqueles dois tempos de dez minutos a grande chance da consagração e superação do eterno maior rival da vida.

2 comentários:

ThiagoFC disse...

Tá aí: inimigos de infância, tema pouco explorado na ficção, seja na literatura ou no cinema. Bacana.

Cláudia disse...

Já disse antes e não vou cansar de repetir: que escritor sensacional!
Já é o blog que mais gosto de ler. Depois do meu, o Diva Latívia, claro!
Adorei a história!