Como escrever uma canção de amor?
Capítulo 3 - Refrão
O silêncio da madrugada no aeroporto internacional aumentava a sensação de aventura que acompanhava o espírito do jovem Jairo. Em questão de horas, estaria no Paraguai. No check-in, pediu para levar consigo o violão como bagagem de mão, mas não foi autorizado. Pensou que o tempo de espera até o voo no saguão poderia lhe trazer alguma inspiração que se traduzisse em notas musicais, mas, como disse o nem tão simpático homem da companhia aérea, “regras são regras, amigo”.
Sentado, com o olhar fixo sabe-se lá em quê, Jairo pensava por onde andariam suas boas ideias. Lembrava-se da simplicidade com que escrevera suas primeiras canções, de como fluíram naturalmente e foram bem aceitas pela crítica. Teriam cessado de vez, sido só uma fase boa? Agora ele estava só, a menos de meia hora de entrar em um avião rumo a tentar um encontro consigo mesmo em um palco desconhecido. Esboçou um assovio diferente, que lhe agradou aos ouvidos. Emendou um solo na sequência e, quando já acompanhava o som com batidas das palmas da mão e a marcação do ritmo com o pé direito, foi surpreendido sendo fuzilado pelos olhares de um casal de velhinhos bem agasalhados que tentavam dormir no banco ao lado, no salão de embarque. Pediu desculpas e se levantou – aquele princípio de inspiração musical se perderia no tempo.
O voo foi péssimo. Jairo não pregou os olhos, em parte pela crise existencial que vivia, parte pelos barulhos emitidos por um casal de namorados nas poltronas da fileira detrás da dele, que pareciam agarrar-se num ritmo mais intenso do que a situação recomendava. O bloquinho de papel viajou em suas mãos, mas a caneta, no bolso da calça, não registrou qualquer palavra.
Em Assunción, Jairo deu uma volta pela cidade na companhia apenas dos primeiros raios de sol do dia antes de decidir onde hospedar-se. Entrou em um hotel feio e velho do centro e pediu um quarto. Da janela, viu as lojas da rua sendo abertas e o movimento de vai-e-vem de pessoas aumentar aos poucos. Compravam bugigangas das mais variadas, carregavam sacolas e embrulhos. Muita gente tinha cara de brasileiro. Sem sono, abriu a mala, serviu-se de um copinho de cachaça. Era da boa.
Jairo caminhou por ruas e vielas durante o dia, sem saber exatamente o que procurava. No fim da tarde, entrou em uma loja de instrumentos musicais, que surgiu à frente. Enquanto os olhos dele passeavam por violões e banjos, algo diferente o chamou a atenção: a beleza de uma harpa paraguaia, instrumento típico do país. Pediu informações sobre a harpa, pediu para dedilhar. Poucos toques depois, Jairo esboçou algumas das canções compostas por ele. As pessoas que passavam pela rua gostaram, pararam, quiseram saber que músicas eram aquelas. Deram-no um violão e ele, dentro da loja, apresentou todo o repertório próprio, sob aplausos e apertos de mão. Uma experiência, no mínimo, diferente. Muitos abraços e novos conhecidos. Convites para jantar.
A harpa ficou, ele não tinha dinheiro suficiente para levá-la. Jairo jamais esqueceu aquele som claro e limpo. De volta ao hotel, ele escreveu uma canção de amor e chamou-a “Pura”. Jamais contou a ninguém que a dedicava a um instrumento. Em seu último dia como hóspede, conheceu uma bela moça, camareira. Simpática, dona de grossas coxas e um irresistível sotaque castelhano. Quando ele se foi, deixou, sem pretensões, um poema para ela no quarto.
O voo de volta foi de intensa atividade para Jairo. Outra canção escrita, dedicada ao povo paraguaio. Mais uma, que falava de um antigo e discreto hotel, que já abrigara grandes histórias de amor. Uma terceira contava a alegria de dois recém-casados em lua-de-mel no avião e outra narrava a história de um casal de velhinhos que viajariam para conhecer o neto e rever a filha que fora viver em outro país há anos. Uma sobre amizade, intitulada “Regras são regras, amigo”. A última obra produzida nas nuvens – a que alavancou de vez a carreira de compositor de Jairo – tratava do amor entre um hóspede brasileiro e uma camareira paraguaia, que se conheceram pelos trabalhos do destino e jamais se separaram. Na música, ele levava a bela Sarita ao Brasil, onde eles se casavam, tinham um filho, o Juan, e a moça já esperava outro menino no ventre. O poema que Jairo escrevera horas atrás virou refrão.
A canção foi gravada em várias línguas, fez sucesso. Atualmente está entre as mais tocadas no Paraguai. Outro dia, a camareira a ouviu, na voz de um conhecido cantor local. Gostou da música e lembrou-se daquele hóspede com quem trocou poucas palavras há um tempo e que deixou um bilhete bonitinho. Jairo nunca mais parou de escrever, sobre o amor e todas suas faces. Talvez ele tenha conseguido reinventar o amor.
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