sábado, 5 de junho de 2010

Sócrates e Sócrates


Depois de alguns séculos, a porta da Sala das Almas Elevadas foi aberta. Pelo próprio Chefe, o Poderoso. Nesse ambiente ficam os espíritos dos seres mais iluminados, enquanto aguardam para descer (como eles chamam encarnar, nascer, viver na Terra). O ano era 469 negativo (como eles chamam o período antes de Cristo). O Comandante andou um pouco, cumprimentou três ou quatro almas e avistou quem ele queria, os dois estavam preguiçosamente sentados no canto da sala, ao lado de uma pequena mesa redonda, beliscando uns petiscos, tomando cerveja e discutindo política.

O Chefe gritou de longe:

- Ô Sócrates!

Os dois olharam ao mesmo tempo. Ele riu, adorava brincadeirinhas assim. Lá estavam Sócrates e Sócrates. Um mais alto, magro, com a barba negra e o outro mais baixinho, um pouco calvo, barba bem maior. O Poderoso explicou que fora pessoalmente à sala iluminada porque ainda não se decidira por qual deles enviar ao mundo humano em breve. Foi trocar ideias com eles.

Os dois se mostraram surpresos, pediram mais informações. O Mestre explicou: “Vocês dois se destacarão na Terra. Só que um vai agora, o outro só daqui uns 2400 anos”. Eles se entreolharam, em princípio não tinham pressa para descer. Queriam saber como seria a vida de cada um.

“Quem for primeiro, nasce na Grécia. O outro, no Brasil. O primeiro será filósofo e fonte de estudo por muitos milênios nos campos da ética, do parto de idéias e da democracia. Sua nobreza será reconhecida até em seu ato de morte. O segundo será atleta e médico, ídolo do povo, também famoso por discussões sobre democracia” – detalhou o Poderoso.

A briga parecia boa. Como as duas vidas aparentavam ser sensacionais, os dois Sócrates cobiçavam a primeira vaga, até para ver logo como era o tal mundo dos vivos. O Chefe acrescentou que quem fosse primeiro seria eternamente conhecido como um gênio do conhecimento. Já o último teria o calcanhar abençoado. O Criador finalizou: “Quem for agora, terá a honra de conviver com Platão e Aristóteles. O segundo marcará época ao lado de Casagrande e Zico”.

Foi aí que o Sócrates magrelo da barba preta levantou a mão e disse: “Eu vou depois”. O Poderoso olhou para o outro Sócrates, que consentiu, com sinal de positivo. O Chefe fez anotações na prancheta, se despediu e foi saindo.

O que iria nascer dali a pouco já estava ansioso pra conhecer o tal Platão. O que só iria depois dava uma risadinha marota de canto de boca. Sabia que o Corinthians só seria fundado em 1910.

4 comentários:

ThiagoFC disse...

Esse texto tem que chegar ao conhecimento da grande crônica esportiva. Ou pelo menos do Milton Neves (adorei essa! heheh).

Cara, acho que se o Doutor, o Magrão, ler esse texto, vai se emocionar mais que com a Seleção de 82.

Régis André disse...

O FC tá certo! Até eu que não acredito em "mitologia" curti! hahaha!

Belo exemplo da qualidade do cronista-bancário... ;)

João disse...

Cara, eu acho que como a sua humildade não permitiria, algum de nós tem que mandar isso pro Milton Neves ou (se não quisermos ganhar coolers da Brahma) pro Juca.

Matheus Espíndola disse...

Caralha, geniais!