Faz parte da vida de todo estudante de graduação almoçar no Restaurante Universitário da instituição dele, nem que seja quando a remessa de dinheiro vinda dos pais diminui, nem que seja por um único dia, nem que seja só para depois falar mal da comida. Mas não foi assim com aquele grupo de então jovens graduandos da Universidade Federal de Viçosa – durante quatro anos eles se reuniram sagrada e alegremente no mesmo local para realizar suas refeições. Duas vezes por dia.
O almoço não era lá o melhor manjar que se poderia oferecer aos deuses greco-romanos. Também é certo que o arroz e o feijão não carregavam um tempero digno da cozinha de Dona Benta e Tia Anastácia. Os vegetais, às vezes, não tinham qualquer cor. Ou gosto. Mas, verdade seja dita, de uma maneira geral, a refeição era de bom gosto e supria satisfatoriamente as necessidades calóricas de um jovem em fase final de crescimento vertical e princípio de crescimento horizontal.
O jantar, esse sim merece elogios. Pães, frutas, suco e doce ornamentavam e envolviam o recipiente do bandejão que receberia a deliciosa e nutritiva sopa do fim da tarde. Ao longe, o odor agradável tratava de abrir o apetite e preparar o estômago para receber o divino caldo de legumes, batatas, lentilhas, canjiquinha ou, às sextas-feiras, o que sobrara do almoço da semana.
Nos dois horários, as refeições sempre tinham algo especial em comum. Além do grupo de amigos e das boas histórias e risadas, o mesmo lugar: a mesma mesa. Na UFV, o RU é dividido em dois. O da esquerda é todo fechado por paredes de concreto, o que cria certo clima de opressão e, por isso, deveria ser evitado a qualquer custo. O da direita não, é todo de vidro. Sua opacidade permite, enquanto a refeição é consumida, a contemplação do canto dos pássaros nas árvores, cachorrinhos na calçada suplicando parte do frango, o lento passar daquela paquera do outro período. E no RU da direita, os estudantes se encontravam, invariavelmente, na mesa ao lado das duas quinas de paredes de vidro.
Caso um deles fosse comer sozinho, o ritual já estaria traçado: entrar, pegar a bandeja e caminhar até a mesa, transpassando toda a diagonal do restaurante. Se outro do grupo estivesse no restaurante, já haveria de ter tomado o ponto de encontro, no aguardo dos demais. E dos demais, que certamente ainda viriam. Era a mesa mais longe da roleta de entrada, mais longe de onde se servia a comida. Aparentemente não havia razão para tamanha predileção. Aparentemente. A mesa era mais perto dos pássaros, das árvores, dos cães. De fazer com que aquele almoço em família – a família que a gente escolhe – fosse mais do que a hora de comer. O momento de reforçar, cada dia mais, a amizade firmada. Quatro anos.
Depois de formados, a mesa continuou sendo utilizada pelas gerações mais jovens daquela turma. E, aos antigos, receber uma mensagem no celular ao meio-dia revelando que um deles ainda almoçava na mesa era motivo de orgulho. A tradição fora passada adiante. Em caso de uma rápida visita a Viçosa, o RU tinha que ser revisto. Mais um almoço, naquela mesa. Mesa do vidro. A própria mesa.
Se algum dia alguém daquele grupo virar pirata e precisar esconder um tesouro embaixo de alguma coisa, acho que sei onde encontrar.
3 comentários:
Ô saudades que tenho das refeições compartilhadas no R.U. Até das filas quilometricas eu sinto falta. Dos amigos, então, fico sem palavras para expressar o saudosismo. Valeu pelo texto. Trouxe emoção!
Nossa que saudades!Tb me trouxe fortes e boas emoções!
Bons tempos aqueles, amigo, bons tempos.
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