segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fora o baile


Foi quando a banda terminou o show que a ficha caiu. De uma vez. Finalizou com uma dessas músicas animadas, típicas de fim de baile, que depois ninguém vai se lembrar exatamente qual foi. Agradeceram, desligaram o som, os garçons pararam de servir cerveja e o pessoal da limpeza entrou em cena recolhendo copos quebrados e paletós esquecidos.

O fim do baile de formatura significou para ele mais que o término de uma comemoração. Ele não tinha se preparado para este momento como achava que tinha. Até então estava tudo nos conformes – aula da saudade, missa, colação de grau, valsa, família orgulhosa e reunida. Só que o fim da música e a repentina claridade das lâmpadas recém-acesas foram golpes duros demais. Sozinho, saindo do banheiro, parou por um instante e fitou o salão, já começando a se esvaziar, de ponta a ponta. Alguns bêbados tentavam a todo custo conseguir mais bebida. Outros, levar uma recordação qualquer, de um arranjo de flores a um sofazinho branco. Estava mesmo acabando.

Inevitavelmente ele se questionou se estaria preparado para ser adulto, formado, à procura de uma oportunidade profissional. Uma lágrima rolou-lhe vagarosamente pela face, carregando a lembrança da aprovação no vestibular. O dedo indicador da mão esquerda (a que não segurava a garrafa de uísque) deu logo um fim a ela. Mas outra lágrima recordou-lhe o primeiro dia de aula. E não demorou a chegar as que lhe trouxeram imagens cruelmente nítidas da calourada, dos amigos carecas, do primeiro amor da faculdade, da república, da volta das férias e da lenta preparação para a formatura. Pronto, estava com o rosto ensopado de choro e de saudades antecipadas.

Enquanto tentava se secar e parar de soluçar, sentiu dois braços docemente familiares o envolvendo até se cruzarem em seu peito. A certeza de receber um abraço da namorada àquela hora o fez ainda pior. A formatura naturalmente os separaria e toda a história de amor construída por eles estava em risco. Desistiu de tentar parar de chorar.

Foi aí que decidiu fazer alguma coisa para mudar a situação. Respirou fundo, ainda às lágrimas, e tomou uma decisão: não iria mais se formar. Na verdade, a colação já tinha acontecido e o diploma já estava guardado em casa para ser exibido, mas ele faria o que estava ao seu alcance: não sairia daquele baile nunca mais.

A namorada, claro, achou a ideia ridícula. Gentilmente o avisou de que seus familiares o aguardavam sonolentos na mesa para irem embora e uns dois ou três primos já estavam à sua procura para levarem-no à força, antes que só sobrassem eles e os faxineiros no salão. A informação entrou por um ouvido e saiu por outro. Ela se aproveitou da embriaguez do amado para abraçá-lo com carinho e tentar ludibriá-lo num misto de conversa e chamego a caminho da saída. Mas já no segundo passo ele percebeu as sórdidas intenções e voltou correndo para onde estava. Sentou-se.

No fundo, já tinha certeza de que ainda não estava preparado para enfrentar o mundo lá fora. Não queria conhecer o desemprego tão jovem, nem sair da república e voltar para a casa dos pais. Muito menos não ver mais os amigos todo dia.

Após alguns minutos de tentativas solitárias, a moça foi pedir ajuda. E agora ela, pai, mãe, a irmã e o cunhado, o amigo de infância, dois primos e uma prima, aquele tio meio bobo e até a avó estavam ao lado dele tentando explicar que aquilo tudo era natural. Acabara-se a vida universitária, como acaba para todos. Ele ainda viveria muitas coisas boas, se daria bem profissionalmente, seria o orgulho da família. Além disso, todos os outros formandos já tinham ido embora há um tempo e o pessoal da organização estava impaciente para fechar o espaço. Ele, com o rosto já inchado de chorar, não quis nem saber. Mas, para felicidade de todos, deu o último gole na garrafa de uísque e apagou em cima da mesa. Foi carregado por um segurança fortão até o carro.

Na tarde do dia seguinte acordou com uma ressaca jamais experimentada. Lutou contra o próprio corpo para se levantar. Quando finalmente conseguiu abrir os olhos, procurou em seu campo de visão a banda, os garçons, os amigos com chifrinhos de plástico na cabeça se pegando perto do palco. Percebeu que estava de sapatos, calça social e sem camisa. Ficou de pé, se olhou no espelho, tirou os sapatos e correu até a porta de casa. Correu. Com o corpo ainda quente. Correu. Com a cabeça mais que dolorida. Correu. Com o amargo gosto do uísque na boca. Correu e chegou até o salão onde fora realizado o baile. Estava completamente vazio, sem uma única lembrança da madrugada inesquecível que há pouco sediara.

Então ele se sentou no meio-fio e chorou outra vez.


Dedicado à recém-formada Lívia Lana. Que já aceitou ter que bater de frente com este mundão.

3 comentários:

Matheus Espíndola disse...

Caralha, mano! Fiquei tenso na hora que o cabôclo começou a correr, de ressaca.

Isso pode ser dedicado não só à Lívia: a uma cambada bem maior de amigos seus e meus.

Já aceitamos bater de frente com o mundão mas fica aquela saudade. Às vezes gostosa, às vezes que dói de verdade.

Parece que o baile da UFV é feito justamente pra isso. Pra arrebentar com o coração já tão sensibilizado da moçada.

Recorrendo às sábias palavras do poeta Buchecha:

"Por que é que tem que ser assim? Se o meu desejo não tem fim..."

ThiagoFC disse...

De início, ao bater o olho no título, achei que o texto era sobre a reestreia do Liédson.

Mas depois, p.q.p... Me veio um daqueles momentos de respirar fundo, tipo o que a Hortência fazia antes de cobrar um lance livre.
Rapaz, nostalgia demais deveria ser classificado como doença pelas organizações de saúde. Um remédio agora me cairía bem.

Lívia Lana disse...

Valeu Ulisses...mas ainda não aceitei nada não...tá foda.