terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vida maquiada


Ana havia acabado de escolher a roupa para a noite. Após o banho, ficou em dúvida entre o vestido branco e o azul e escolheu o preto, caiu melhor e combinava mais com a sandália. Antes da maquiagem, aproveitou o computador ligado tocando um som e acessou seu perfil numa rede social. Surpreendeu-se ao ver uma mensagem do Léo, um cara com quem tinha ficado há um tempo, dizendo que se lembrara dela à tarde e que deveriam marcar de se reverem. Ana achou bonitinho, riu sozinha e pegou sua base facial, precisava se apressar.

Enquanto disfarçava as leves marcas de olheiras com retoques de corretivo, ela ouviu a música característica do toque do celular vindo do quarto. Quem ligava era o Fabrício, da academia. Eles se conheceram outro dia enquanto corriam nas esteiras e, papo vai e papo vem dia após dia, ele pediu o telefone dela. Ana não acreditou que ele ligaria, mas se enganou. O Fabrício revelou que há um tempo pensava nela e a convidou para acompanhá-lo num show em uma casa noturna. No entanto, ela agradeceu, já tinha um compromisso.

Já com o pó compacto na face, Ana decidia o tom da sombra nos olhos e o celular, agora sobre a pia do banheiro, vibrou ao receber um torpedo. Ela leu algo que jamais esperava: uma mensagem do Felipe, seu ex-namorado já há alguns meses. Ele confidenciava que ainda não havia esquecido ela e que a Ana tinha razão, ele deveria ter dado mais valor ao relacionamento que tinham. Ela, atônita, quase erra a maquiagem e risca a testa. Preferiu pensar melhor e responder em outra hora.

O próximo contato veio do telefone residencial, enquanto Ana contornava os olhos com o lápis. Era sua melhor amiga, a Bel. Ligou para dizer que o primo dela, o Marquinhos, tinha acabado de perguntar a ela na rua sobre o estado civil da Ana. E ainda pediu à prima para fazer boas recomendações dele a ela. Riram e despediram-se, com a promessa de almoçarem juntas no dia seguinte para contar como foi a noite que estava prestes a se iniciar.

Rímel e blush aplicados. Na primeira passada de batom, duas buzinadas vindas da rua. Ana agilizou-se, pegou a bolsa, desligou o computador e saiu para encontrar com o Orlando, seu colega de trabalho, com quem sairia junto pela primeira vez e que havia acabado de chegar para buscá-la. Ana tinha certeza de que tinha arrasado na maquiagem. O Orlando foi logo dizendo que nunca tinha visto ela tão linda.

Porque os homens gostam do que veem e as mulheres do que ouvem. Talvez por isso as mulheres se pintem e os homens mintam.

4 comentários:

Cláudia Cavalcanti disse...

É muito sério isso. Eu, que sou veterana, afinal já passei dos 40, continuo sem entender por que preciso escutar o óbvio, ainda que essa evidência chegue aos meus ouvidos um tanto distorcida. Ouvir um "eu te amo" não tem preço. Acho que o ideal seria que os homens falassem a verdade, mas falassem! Difícil interpretar sinais.
De novo, parabéns. Sou sua leitora assídua.
Cláudia

Brina disse...

"Porque os homens gostam do que veem e as mulheres do que ouvem. Talvez por isso as mulheres se pintem e os homens mintam."
Pura verdade!!
Adorei primo!!!

João disse...

Muito boa, Ulisses, mesmo.

Matheus Espíndola disse...

Taí o segredo da humanidade... Literária e filosoficamente profundo! Bela sacada, irmãozim.