quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Viçosa viçosa




Você sabe exatamente o que significa “viçoso”? Em uma rápida pesquisa pelos dicionários, é possível coletar definições como “coberto de verdura, de vegetação exuberante”, “que está no pleno vigor da sua beleza vegetal” e “cheio de vigor, de força, de mocidade”. Quer dizer então que, em bom português, uma cidade viçosa é um local bonito, certo? Se estivermos falando do mesmo lugar, é muito mais do que isso.

Viçosa é uma cidade que se desenvolve acompanhando avanços acadêmicos. A Universidade Federal de Viçosa, a UFV, verdade seja dita, quase sempre é a última opção de quem quer cursar uma graduação. Muitos chegam pensando em sair, tentar a sorte em uma faculdade de cidade maior. Mal sabem o quanto vão se apaixonar por esse pequeno fim de mundo.

Em Viçosa aportam pessoas de todos os cantos do universo. E por lá se ouvem todos os sotaques, o que já sugere brincadeiras entre os colegas. Do “r” dos paulistas ao cantado dos baianos, passando pelo “s” dos cariocas e o português diferente dos africanos, conhece-se gente de todas as culturas. E faz-se todo tipo de amizades entre idas e vindas ao PVA e ao PVB, entre horas de estudo (e cochilos) na biblioteca, entre tardes de conversa fiada (e cochilos) no gramado do DCE.

Se você passar um tempo por lá, são esses amigos que estarão ao seu lado nas milhares de festas. São eles que vão te ajudar a entender as matérias que não entram na sua cabeça, colocar seu nome nos trabalhos quando você faltar, vão rir e cuidar de você bêbado e te acompanhar ao Hospital São Sebastião quando você estiver mal. Eles vão te ouvir chorar quando você terminar um namoro. E estar com você em alguma balada no outro dia levantando seu astral. Serão suas mães, pais e irmãos por alguns anos e seus melhores amigos pra vida inteira.

Viçosa talvez seja o último lugar do mundo onde as pessoas andam de chinelos pelas ruas. Onde a bicicleta ainda é o meio de transporte mais utilizado. A vida por lá é muito mais simples. Onde as festas custam barato.

E que tal esperar todo o semestre por uma festa na lama? A Cervejada, marca registrada de Viçosa, é, provavelmente, a coisa mais singular desse lugar único. Uma balada à tarde, em meio ao barro, em que se veste cuidadosamente a pior roupa, que dificilmente vai ser usada de novo. Só quem já foi sabe que a diversão é mais do que certa, mesmo você voltando pra casa bonito como um monstro do pântano, carregando mato em todos os cantinhos do corpo e sabendo que vai achar lama na orelha por uma semana. Fora as escoriações pelas pernas e braços. E como vale a pena!

Lá, todo mundo tem um bar favorito. E no Leão não tem como não se sentir em casa. Há bêbados nas ruas aos montes e dá pra ficar amigo de boa parte deles. Tem uma marcha estudantil que carrega protestos e folia. Que se desdobrou em uma micareta de nível nacional e em uma festa em que a galera fica mais louca que a Liga da Justiça inteira.

A UFV é linda. As quatro pilastras são como um portal para um universo paralelo. A reta arborizada toca de leve a alma de quem caminha até os prédios. O Recanto das Cigarras é o orgulho maior de todo estudante, onde se levam amigos e parentes de fora para mostrar a maravilha que é estar em Viçosa. O RU pode não ter a melhor comida do mundo, mas salva a vida de muita gente por um preço módico. E é um excelente local para se esbarrar com todos da universidade – companhia para almoçar nunca falta. Há um campeonato de futsal entre os cursos que mexe com o coração da galera. E uma lagoa poluída que, em ocasiões especiais, serve para nadar. Em Viçosa agroboys, nerds, bichos-grilos e patricinhas convivem pacificamente. Até na mesma república, se for o caso.

A foto com os formandos em frente ao Bernardão (para quem consegue acordar cedo no dia, claro) é um espetáculo à parte. Ver seu nome e foto em uma página do livro de biografias com sua história na cidade é muito bacana. E, para coroar a estadia nessa terra encantada, fecha-se o ciclo com o maior baile de formatura que se tem notícia nas galáxias. O mais luxuoso, o mais animado, o melhor do mundo. Aquele em que, de tão grande, três anos depois quem foi ainda vai descobrir atrações que não viu. E, cá entre nós, ver a UFV no topo todo ano quando sai o ranking das melhores universidades do Brasil dá um orgulho!

Na despedida de Viçosa, é bem possível que você ache que nunca mais vai ser tão feliz como lá. E você vai estar certo. É que lá tudo é diferente. Serão os melhores anos da sua vida, você vai conhecer as melhores pessoas e a saudade de tudo vai bater todos os dias, em alguns mais fortes do que outros. Então agradeça a Deus por ter sido escolhido por ele para viver, por um tempo que seja, no paraíso. Sempre que puder, volte à cidade “cheia de vigor, de força, de mocidade”. Você vai conhecer mais gente encantadora e rever muitos dos guerreiros das antigas. Aí é só calçar um par de chinelos e abrir uma cerveja. Se tiver uma pocinha de lama por perto, melhor ainda.

sábado, 19 de novembro de 2011

Vestidos


Tudo corria às mil maravilhas no namoro do Gilberto e da Paula. Juntos há um mês, tudo era motivo para sorrisos e para quererem estar juntos. Parecia que dessa vez, enfim, tinham encontrado as pessoas certas. Já haviam sido apresentados aos amigos do outro, aos pais e estavam com uma viagem marcada pra ele conhecer a avó dela, numa cidadezinha pequena. A rotina dos dois mudou desde o início do namoro e girava em torno de cinema, teatro, filmes em casa, barzinhos e idas ao clube. O Gilberto estava orgulhoso porque apresentaria a Paula, de quem ele tanto falava, aos colegas da empresa na festa de fim de ano.

A Paula estava um pouco insegura, queria causar uma boa impressão com o pessoal do trabalho do namorado. Demorou dias para escolher uma roupa que considerasse ideal para a ocasião. Revirou o estoque de todas as lojas do centro e passou uma semana indo ao shopping todos os dias, até que se decidiu por um vestido verde, bonito, elegante, nem curto nem justo demais. No dia, ela caprichou na maquiagem e estava pronta pontualmente às nove à espera do Gilberto. Quando ele chegou, do carro mesmo disse que ela estava especialmente linda.

Na festa, o Gilberto fez questão de passar de mesa em mesa apresentando a namorada. Peito inflado de orgulho, exibia sua morena como um troféu – e ela achava isso a coisa mais bonitinha do mundo. Todos foram simpáticos, diziam que estavam ansiosos em conhecê-la porque ele falava muito dela e convidavam os pombinhos a sentarem-se com eles. Foi assim com o pessoal do financeiro, do RH, dos serviços gerais e da gerência. Mas antes de se decidir por onde ficar, Gilberto tomou a Paula pela mão para levá-la à mesa do Afonso, o patrão. Seu Afonso levantou-se para cumprimentar o funcionário e conhecer sua famosa namorada, e junto com ele, a esposa, Sílvia. Enquanto Gilberto e Afonso abraçavam-se, com direito a tapinha nas costas e tudo, Paula esboçou um aceno de mão e um risinho para Sílvia, até que teve a pior visão de sua vida: a mulher do patrão do namorado trajava exatamente o mesmo vestido verde que ela. O mesmo decote, a mesma alça direita com linhas douradas, o mesmo detalhe na perna esquerda. O mesmo vestido que ela custou tanto para encontrar, que ela achou chique, discreto e que valorizava suas pernas. O mesmo vestido que custou quase metade do salário e foi dividido em seis vezes no cartão.

O sorriso da Paula desmoronou. O da Sílvia também, que ficou séria, com olhos arregalados e boca aberta. Paula virou as costas, pôs-se a chorar e correu para a rua. Quando o Gilberto percebeu, ela já estava lá fora, com a maquiagem borradíssima e os olhos inchados e vermelhos. Lá foi ele, enquanto Afonso abraçava Sílvia e a pedia secretamente para tentar manter a postura perante os empregados. A Paula não parou de chorar, não queria conversa e exigiu que o Gilberto a levasse de volta para casa. Ele tentou argumentar, mas ela, aos soluços, foi irredutível. Em meia hora o Afonso alegou um mal estar e também deixou a festa, com a família.

Em frente ao apartamento dela, Paula pediu desculpas a Gilberto por ter estragado a noite dele, mas ele relevou, ainda tentava confortá-la. Por fim, ela disse que não queria mais vê-lo, o namoro não daria mais certo depois da humilhação. Alegou que nunca mais ela conseguiria encontrar com os colegas dele à vontade. Rosto molhado por lágrimas, Paula deixou o carro e entrou em casa. Chorou toda a noite. E nunca mais falou com Gilberto.

Triste, o Gilberto decidiu voltar à festa para ver como tinha ficado o clima. Quando chegou, a banda contratada já tinha começado a tocar e o pessoal já estava dançando animado e bebendo bastante. Foi aí que o Gilberto viu o Jonas, seu melhor amigo na empresa, que chegou atrasado e nem estava sabendo da confusão com a mulher do patrão. Por ironia do destino, Gilberto e o Jonas vestiam a mesma camisa azul. Igualzinha, sem tirar nem por nada. E, ao perceber, o Jonas gritou: “ô meu parceiro, vamos fazer uma dupla sertaneja?”, seguido de uma risada escandalosa. Sem perder tempo, Jonas, espirituoso, pediu à banda para cantarem uma moda juntos.

E não é que eles levaram jeito para a coisa? A galera gostou e eles cantaram a noite inteira. Depois, começaram a fazer pequenas apresentações, ensaiar com músicos profissionais e decidiram deixar a empresa para investir na carreira. Hoje, Jonas e Gilberto é uma das duplas mais famosas da região e o hit “Vestidos iguais” é o mais tocado em todas as rádios, todo mundo sabe a letra na ponta da língua. E a Paula chora toda vez que ouve, coitada.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Conto à tróis 2 - parte 3

Chega ao fim o mistério. O último capítulo de O aniversário do Doutor Pantaleão guarda surpresas nessa rede de intrigas, sedução e morte com sotaque nordestino. Experiência policial e a popularização das redes sociais solucionam o caso.


Capítulo 3 - Vocês mataram o meu amigo, no blog Cueca e Meia.

domingo, 6 de novembro de 2011

Conto à tróis 2 - parte 2

Agora é comigo.

Capítulo 2 - Em nome da lei


Pascoal sentiu um pânico jamais experimentado. Com as pernas trêmulas, abraçou o tórax do amigo de infância e clamou por seu nome. Pantaleão não esboçou qualquer reação, estava mesmo sem vida. Inevitáveis lágrimas vieram à tona. O tom mórbido do azul da língua do cirurgião compunha a cena de filme de terror. Às pressas, Pascoal saiu em busca do jovem e despachado Cardoso para decidirem as providências.

Em minutos, estavam os dois ao lado do cadáver no banheiro trancado. Cardoso não acreditou no que viu e Pascoal ainda aparentava estado de choque. O sobrinho sugeriu levarem qualquer desculpa aos convidados para o sumiço do anfitrião, enquanto Pascoal tinha o celular em mãos prestes a ligar para o Doutor Quaresma, o delegado. Cardoso rejeitou veementemente a ideia, temia pela reputação da família e lembrava-o dos abutres da imprensa à porta do casarão. Mas Pascoal achou por bem acionar o policial.

Doutor Quaresma era delegado há pouco tempo em Pica-paus, o suficiente para ser respeitado por todos. Era um dos raros casos de autoridades incorruptíveis. Não frequentava as colunas sociais e nem era visto em noitadas. Não media esforços para o cumprimento da lei, custasse a quem custasse. Chamavam-no de Zorro do Sertão. Quando seu Fusion parou em frente à mansão e o delegado de porte robusto e grossos bigodes negros desceu com cara de poucos amigos, os presentes à festa souberam que algo de muito errado acontecia.

Com as informações passadas por Pascoal, Quaresma traçava sua linha de investigação. Tudo levava a crer estarem diante de um assassinato bem calculado. Todos eram suspeitos, até o próprio amigo de infância, embora o delegado não apostasse suas fichas nele. Cardoso sim aparecia como um forte candidato a ter matado o tio, já que, após o recente divórcio de Pantaleão, sem filhos, o sobrinho era o único herdeiro de seu império. A ex-mulher do cirurgião, Dona Zuleide Fortunato, também poderia estar metida na história, mesmo sem ter ido ao aniversário, pela primeira vez desde que a festa tornou-se o evento mais comentado da cidade. Uma jovem loira de curvas bem delineadas e vinte e poucos anos chamada Duda, ex-garota de programa e ex-amante de Pantaleão, completava a lista inicial de possíveis suspeitos. Mas a informação mais importante a ser considerada é que o médico estava muito bem cotado para ser candidato a prefeito nas próximas eleições.

Sem dar explicações, Doutor Quaresma passou pela segurança, atravessou o jardim e entrou no casarão. Passou pelos convidados, mirou seus suspeitos de cima a baixo, cruzou o salão e dirigiu-se ao banheiro, onde o corpo do anfitrião estava. Sua experiência policial o fez observar atentamente o ambiente e perceber que não havia marcas de pés ou sapatos molhados no chão, além das do defunto. A janela basculante estava aberta ao máximo, com uma pequena marca de sangue em uma das extremidades. Na lixeira, dois preservativos, um batom usado, as chaves da porta, papelotes vazios de cocaína e duas embalagens de pirulito, sendo uma azul.

O delegado foi para o salão. Pediu uma pausa à banda. Anunciou a todos que um crime acabara de ocorrer na casa. E convidou Cardoso, Duda e o prefeito Raimundo Carlos Sodré a acompanharem-no até a biblioteca, para alguns esclarecimentos. Antes, porém, havia acionado seus investigadores e ordenado que cercassem a mansão.

(continua...)

Conto à tróis 2 - parte 1

O Conto à tróis está de volta. O projeto que reúne, além de mim, os escritores Matheus Espíndola e Marcos Oliveira, traz, dessa vez, uma história policial, passada no sertão nordestino. Conheça O aniversário do Doutor Pantaleão.


Confira como a trama tem início em capítulo homônimo do conto no Blog do Cano.