Mais cedo havíamos nos informado sobre os horários de ônibus: era impossível chegar a Guiricema partindo no início da noite, já que o veículo que deixava Viçosa rumo a Visconde do Rio Branco neste horário ganhava a estrada quando o último coletivo de Rio Branco a Guiricema já deixara a outra cidade. Enquanto retornávamos ao núcleo urbano, dessa vez a pé e no escuro, mil coisas se passavam em nossa imaginação — mas a imagem mais forte, sem dúvida, era de um Buchecha animado, fazendo a típica dancinha bizarra (com uma mão no nariz enquanto balança o outro braço) que o consagrara. A esperança de ver o ídolo, no entanto, se esvaía lentamente, como a impiedosa descida das areias de uma ampulheta.
Questionamos pela milionésima vez o rapaz do guichê, na vã expectativa de que ele nos surpreendesse dizendo que a empresa acabara de notar a excelente oportunidade de obter um montante astronômico de lucros e decidido disponibilizar carros-extras até o show. Lembramos que, poucos meses antes, os garotos dos Los Hermanos haviam tocado em Ouro Preto e dúzias de vans e ônibus transportaram centenas de pessoas até a cidade histórica. Amaldiçoamos a indústria cultural.
A única opção era viajar até Visconde do Rio Branco no ônibus que partiria em poucos minutos e, de lá, de nos virarmos. Caso desse errado, precisaríamos aguardar até a manhã do dia seguinte para o retorno à cidade universitária. Risco demais. Não tinha mais jeito, o lance era aceitar a derrota, lembrar que tentamos e deixar a rodoviária. Não queríamos sucumbir. Pedimos mais um único sinal, que definiria o fracasso ou a persistência naquela empreitada.
Eis que, como que por encanto, olhamos para o nosso lado, literalmente, e, a um metro de distância, afixado na parede da rodoviária havia um cartaz da tal Festa da Cidade de Guiricema e, estampado em seu centro junto a artistas de menor renome nacional, ele — Mc Buchecha. Com o maior sorriso do mundo, a imagem nos convidava: sigam em frente!
Decidimos. Entramos na fila para adquirir os bilhetes rodoviários, e, daí em diante, a sorte nos sorriu. Debatíamos o que faríamos ao chegar em Rio Branco quando fomos interpelados pelo sujeito que aguardava sua vez à nossa frente — um jovem com cerca da nossa idade, feições serenas, traços leves, corpo um tanto rechonchudo, os cabelos tendendo para um lado sobre a testa e um par de óculos sinceros. Com tom agradável, interveio: “Estão indo para Guiricema? Eu também, e meu colega me buscará de carro em Visconde do Rio Branco. Desde que ele não apareça com a caminhonete, levo vocês até lá!”. Os vocábulos soaram como a mais perfeita melodia já composta em todos os tempos.
No ônibus, o novo amigo sentou-se em uma extremidade enquanto nós nos dispusemos em outra. Estávamos alegres, contávamos histórias, refletíamos o futuro profissional, que, àquela época, nos parecia tão longe. Percebemos então que, tamanha tinha sido nossa surpresa com a proposta do rapaz, que não havíamos lhe perguntado o nome. Mas tudo indicava que seria um nome ao mesmo tempo doce e forte, seguro e acolhedor. Puro e prestativo, angelical e terreno. Assim, convencionamos chamá-lo Elias.
Quando o ônibus estacionou no destino, eu pensava em ver qualquer coisa à minha frente, menos... ah não, a caminhonete! Como numa peça ardilosamente arquitetada, o destino quis que o amigo de Elias escolhesse justamente o veículo que, como combinado, nos deixava a ver navios.
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